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Momentohistórico

04-06-2020 | 02:22
Por Liga Nacional de Basquete

Em ação inédita no cenário esportivo, atletas se posicionam e discutem temas importantes sobre racismo em rico debate no Facebook do NBB

O NBB viveu uma noite histórica nesta quarta-feira (03/06). Em iniciativa inédita no cenário esportivo brasileiro, vozes ativas do movimento contra o racismo no maior campeonato de basquete do país foram reunidas em uma live no Facebook para um debate rico sobre o tema, que vem ganhando cada vez mais forças nos últimos dias no mundo inteiro.

Léo Figueiró (técnico do Botafogo), Gui Deodato (ala do Minas), Thiago Mathias (pivô do Basquete Cearense) e Gustavo Basílio (ala do Pato Basquete) ganharam voz para abordar o tema racismo no bate-papo que foi mediado pelo jornalista Rodrigo Bússula, produtor de conteúdo da equipe de comunicação do NBB.

NBB convida para o debate #VidasNegrasImportam

Dando voz a quem vive essa luta. 🗣 Gui Deodato (Minas TC), Thiago Mathias (Basquete Cearense) e Gustavo Basílio (Pato Basquete) e o técnico Léo Figueiró (Botafogo) debatem questões ligadas à luta contra o racismo e a força do movimento #BlackLivesMatter em todo o mundo.

Posted by NBB on Wednesday, June 3, 2020

Foram debatidos vários temas, como importância do posicionamento de figuras públicas do esporte na luta contra o racismo, o preconceito velado, histórias pessoais, questões históricas e o movimento #VidasNegrasImportam que ganhou força nas redes sociais na semana atual.

“Esse debate é muito importante, não só para o NBB como instituição, mas também é uma ótima oportunidade de todos aqui debaterem e se posicionarem. É um momento em que todos têm que se posicionar. Estamos falando de vidas, situações muitas vezes veladas, que acabam parecendo que não existem no dia-a-dia de todos e também no esporte. É um ambiente em que a meritocracia existe e é forte, mas a corrida segue sendo muito desigual”, disse Léo Figueiró.

“É muito importante o NBB abrir essa plataforma para debater o tema racismo. Somos espelho de muita gente, então abrir esse espaço aqui para a gente poder falar sobre o assunto é muito bom. Nós pretos estamos resistindo há anos nesse país que é extremamente racista e essa plataforma vai ajudar muito nesse processo de transformação”, afirmou Gui Deodato, que frequentemente se posiciona sobre a luta racial.

A importância do posicionamento

O primeiro assunto da live foi o posicionamento de figuras esportivas sobre o tema racismo. O primeiro a falar foi Gustavo Basílio, ala do Pato Basquete, que inclusive participou de um movimento no último Dia da Consciência Negra.

“Temos que utilizar o poder que a gente tem. Hoje podemos dizer que estamos em evidência, temos seguidores, crianças nos seguindo, então está mais do que na hora da gente se posicionar, querer essa mudança. Não só por mim, mas por todos que virão depois, pois não quero que sofram o que eu já sofri. Temos que utilizar nosso poder de influência para lutar contra aquilo que achamos errado”, falou.

Em seguida, o técnico Léo Figueiró, do Botafogo, teve a palavra e comentou sobre o impacto do posicionamento de uma pessoa de relevância no cenário esportivo.

“A responsabilidade de quando você atinge tal posição é de ser um facilitador, um porta-voz para mostrar as dificuldades e preparar as pessoas para melhorar o caminho”, disse Léo, que completou. A corrida é desigual quando se trata de esporte. O esporte, a educação física, vêm do militarismo, então carrega a questão da meritocracia. O cara faz, ele consegue. Mas as pessoas esquecem que essa meritocracia só é um balizador desde que haja igualdade de condições. Uma corrida em que um sai 1 km na frente do outro não é meritocracia, é um engano. Ou então é mais fácil acreditar que é igual”

Eleito Melhor Técnico da edição anterior do NBB, Léo aproveitou para expor seu ponto sobre negros em posições relevantes que não se posicionam.

“Se posicionar nesse momento é muito importante. Até porque aquele que conseguiu chegar à determinada posição não se posicionar, para mim, é uma atitude egoísta. ‘Eu consegui vencer, então aquele que vai passar pelas dificuldades que se vire’. Acho que não devemos gerar nenhum tipo de fanatismo e radicalismo, sou totalmente contra, tem que ter o tom certo, mas um posicionamento firme”.

“Não é tão simples se posicionar”

Apesar da enorme importância do posicionamento, Gui Deodato, ala do Minas, expôs um outro lado da moeda. Sem tirar a enorme importância da opinião, ele citou também a falta de embasamento como motivo para o possível silêncio de alguns.

“O posicionamento é de extrema importância. É só a gente ver o impacto que tem quando um LeBron James se posiciona, como move o mundo e como todos olham para isso. Mas é importante lembrar que não é tão simples se posicionar. Essas questões não fizeram parte do nosso estudo, não aprendemos isso na escola. Meu posicionamento hoje, particularmente, vem por interesse próprio. Quando comecei a sentir as dificuldades, barreiras, eu quis entender o porquê. Foi por interesse meu, Gui, fui atrás de entender essas questões”, contou Gui.

“Posicionamento é tudo para nós nesse momento. Quanto mais você adquire esse tipo conhecimento mais você quer aprender, agir e transformar, porque se trata de uma coisa desigual. Mas ao mesmo tempo temos que mostrar aos nossos irmãos que estão na luta com a gente da importância de se inteirar de uma forma genuína, aprender sobre o assunto e poder se posicionar”, completou o ala do Minas.

Muitos atletas e ex-atletas de vários esportes vêm sendo cada vez mais questionados nas redes sociais por um posicionamento. Foi o caso que Gui Deodato relatou sobre ele mesmo.

“Até um tempo atrás eu era cobrado por um posicionamento sobre o assunto, mas eu não tinha conhecimento. Resolvi aprender e vi o quanto é importante. Mesmo tendo a vivencia não tinha aprendido sobre o assunto com profundidade. Então é importante a gente falar disso para entender, porque temos muitas pessoas importantes que não se posicionam, mas às vezes não tiveram a chance de aprender sobre o tema”.

O racismo sentido na pele

Quem é negro possivelmente já sentiu na pele o que é o racismo. Literalmente. Foi o caso de Thiago Mathias, pivô do Basquete Cearense. Seu caso, inclusive, foi dentro de quadra, quando ainda era adolescente no Rio Grande do Sul.

“Na primeira viagem com a minha equipe aqui em Porto Alegre, fomos jogar uma rivalidade grande aqui do Rio Grande do Sul, contra o time de Lajeado, que é no interior. Estava sendo um jogo muito bom, rivalidade grande, e começaram atos racistas. Começaram a me chamar de macaco, criolo, que eu tinha que voltar para a África. Isso me abateu bastante. Na época eu tinha 15, 16 anos, era praticamente uma criança, era minha primeira viagem, eu não sabia nada da vida. A partir daquele momento percebi que as pessoas me olhavam diferente por eu ser negro. E o que me abateu muito foi que quem estava me ofendendo na arquibancada eram pais dos garotos que eu estava jogando contra. Me parei para pensar: ‘o que leva uma pessoa a ofender uma criança?’. Isso foge totalmente do esporte, da vivencia, da vida”, revelou Mathias.

“Isso me feriu muito e me fere até hoje, porque são fatos que ficam guardados na memória, no coração, coisa que uma criança não precisaria levar para a vida. Meus pais tiveram uma boa conversa comigo e me explicaram que infelizmente existem pessoas assim no mundo, que querem ver meu mal, mas que com luta e persistência eu conseguiria vencer. Isso foi uma coisa que me marcou e marca até hoje”, finalizou.

Quais são os medos do negro?

Ainda sobre experiências pessoais, Gustavo Basílio citou como foi preparado pelos pais, quando criança, para lidar com possíveis casos de racismo.

“Sempre ouvi dos meus pais que por ser negro eu teria que provar duas vezes mais do que os outros. Que por ser negro eu tinha que andar bem arrumado, com o documento no bolso, para caso a polícia me parasse. Que eu não podia responder polícia, que tinha que tratar bem. É até engraçado, mas hoje no Brasil o negro tem mais medo de polícia do que do próprio bandido. Quando eu era moleque meu maior medo era de ser confundido, de policial me pegar, como já me pegaram, ou me revistar e colocar droga na minha mala, ou fazer alguma coisa comigo pelo simples fato de eu ser negro. Sempre tive a educação muito forte dos meus pais, até hoje, sobre respeito e amor ao próximo, independente da cor, da crença e qualquer coisa”, disse Gustavo.

O racismo velado

Aquelas pequenas atitudes que não explicitam o racismo, mas que deixam nas entrelinhas. Esse, na visão de quem sofre, é tão ruim quanto um xingamento ou qualquer injúria.

“O racismo velado dói tanto quanto o racismo explícito. É aquele de chegar no ponto de ônibus e a pessoa ficar te olhando, achando que você vai fazer alguma coisa. É aquele de entrar em um restaurante ‘bom’ e ficarem te olhando, com aquela cara de ‘o que ele está fazendo aqui?’. É ser confundido com bandido. Então, sem dúvidas, o racismo velado dói tanto quanto o explícito”, disse Gustavo Basílio.

Léo Figueiró endossou a declaração de Basílio sobre os atos subentendidos.

“Já passei por situação do pai não deixar o filho tocar minha mão por causa da mancha (vitiligo). Ou aquelas coisas pejorativas: ‘deu sorte, hein, negão?’. Poxa… deu sorte, negão? É Dá para perceber que é pejorativo. Eu prefiro que me chamem de macaco do que deixar subentendido. Subentendido é muito covarde. Quer falar algo, fala logo. Essas brincadeiras são as piores. É aquela coisa: se passar, passou. Se acusar o golpe, é brincadeira”, falou o comandante do Botafogo.

Moreno? Não. Negro!

Aproveitando o gancho levantado por Léo Figueiró, Gustavo Basílio relatou uma situação semelhante, relacionada aos termos às vezes direcionados aos negros.

“Uma coisa que eu bato na tecla sempre é quando a pessoa me chama de moreno. Não, não sou moreno. Sou negro. Eu até brinco, moreno é quem toma sol. Não precisa ter vergonha de falar que sou negro ou sou preto. Eu sou negro, sou preto. Mas moreno é quem toma sol. Eu deixo na brincadeira, mas é verdade. Não tenho problemas de chamar de negro, negrão, preto, porque depende muito do contexto em que se fala isso, da intenção da pessoa”, contou Basílio.

Depois da Lei Áurea…

Um comentário de uma fã na live levantou um ponto interessante na discussão: “Como diz o samba da mangueira: a história que a história não conta!!! A nossa história!!! E a educação não fez o papel de ensinar que viemos escravizados para cá e nos largaram à própria sorte com a Lei Áurea. E muito atraso no entendimento da relevância do nosso povo na construção do Brasil!!!”, disse Mara Brasil.

Foi aí que Thiago Mathias, outro que possui um vasto conhecimento sobre as origens de sua raça no Brasil, interviu e endossou a declaração.

“No Brasil, quando teve a Lei Áurea, nós negros fomos praticamente escorraçados. Infelizmente continuamos sendo escravos. Não tínhamos para onde ir, não tínhamos o que fazer, não tínhamos dinheiro. Não foi como na Inglaterra ou Estados Unidos, onde cada negro, após a escravidão, teve uma terra para cultivar, um lugar para poder morar. Por conta disso não temos as oportunidades agora. Porque, querendo ou não, continuamos sofrendo essa escravidão hoje em dia, por falta de oportunidades”.

Léo Figueiró, de maneira bastante oportuna, completou citando até a situação dos índios.

“Acabamos esquecendo às vezes que a transformação que isso mude é de longo prazo, não é curto prazo. Se daqui duas semanas acontecer algo parecido com o que aconteceu, seguiremos falando disso. Mas pare para pensar nos índios. Essa terra aqui era dos índios. Quando os portugueses chegaram aqui no Brasil só tinha índio. Quem são os índios hoje em dia? Onde eles estão? Isso só se muda com educação, e a longo prazo”.

Mathias finalizou a fala de Léo: “Só temos 140 anos depois da Lei Áurea, então temos muito pouco tempo desde que éramos um país que escravizava seres humanos”.

#VidasNegrasImportam

O movimento #BlackLivesMatter surgiu nos Estados Unidos, depois da morte chocante do assassinato de George Floyd, em Minnesota. O acontecido despertou protestos no mundo inteiro, e a hashtag chegou ao Brasil, como #VidasNegrasImportam, também fazendo alusão a casos de pessoas negras mortas por aqui também.

No entanto, há muito mais a ser feito do que simplesmente fazer posts nas redes sociais apoiando o movimento.

“Mais do que uma frase ou fazer post com a hashtag, é você estar disposto a lutar pela causa, disposto a mudar essa situação. Muitos negros já foram confundidos, já tomaram bala perdida. Tivemos João Pedro recentemente, tivemos a Ágata, tivemos o caso do cara que levou 80 tiros em uma favela no Rio. Vidas negras importam, mas tem que ter a ação, tem que ter a vontade de querer a mudança. Mais do que a fala, tem que entrar com ação, com poder da mudança”, falou Basílio.

Como a sociedade pode ajudar nessa luta?

Depois de tudo que foi levantando sobre o tema, como fazer para dar sequência ao movimento contra o racismo? Os participantes da live deram suas diferentes visões. Gui Deodato foi o primeiro a falar.

“Costumo ter muitas trocas de ideias sobre racismo com alguns amigos brancos, que até têm conhecimentos acadêmicos que eu não tenho. Eu tenho minha vivência, então essa troca é o que enriquece. É um processo difícil, precisamos nos desconstruir, sair da bolha e começar a conversar mais. E essa empatia tem que ser muito verdadeira para essa dinâmica funcionar. Temos que começar pensar a 300 anos atrás para entender melhor. É um ponto importante das discussões que tenho. Não é um assunto fácil. Quando falamos sobre isso às vezes começa a abrir várias feridas nas pessoas. Porque, quando ela vai mais a fundo, começa a perceber que acaba praticando o racismo velado, que tem algumas atitudes racistas. Isso fere… Por isso tem que estar de coração aberto para fazer essa desconstrução e mudar”, disse Gui.

O ala do Minas ainda acrescentou: “Outra coisa é se questionar. Por que vemos menos pretos na TV? Em cargos de decisão… Ler escritores negros, eu mesmo nunca tinha lido, agora já acabei um e estou lendo outro. Conversar, se perguntar quem são as pessoas pretas que estão ao nosso lado, por que são poucos… Isso faz parte do meu aprendizado também e é uma troca que eu tenho tido com amigos brancos e vem sendo muito bom”, finalizou o atleta campeão do NBB 2016/2017 pelo Bauru.

Léo Figueiró teve a palavra na sequência e expôs outra maneira, também extremamente válida, em relação à sequência do movimento.

“Independente de ser branco, mestiço, negro, vejo que isso é papel da sociedade inteira. E isso vem através da educação, e educação começa em casa. Você como pai, tio, amigo, têm que fazer com que essa educação chegue a todo mundo. Quando falamos de meritocracia e igualdade social, as pessoas têm que entender que essa igualdade tem um preço para quem já tem privilégios. É entender se você está disposto a pagar esse preço de aumentar a concorrência. A igualdade vai gerar uma concorrência maior. A igualdade faz com que todos saiam do mesmo lugar. Então tem um preço para os dois lados. Às vezes vejo gente falando que não gosta de cotas. Ok, então vamos trabalhar para que todos tenham as mesmas oportunidades. Assim não vai ser mais a questão de vermos apenas negro fora da curva chegando longe”, analisou.

“Outra coisa que acho: quando alguém de pele negra conseguir vencer os desafios, conseguir um status, dinheiro ou o que for, ele tem que retornar para possibilitar que mais cheguem. Não pode ser só uma coisa minha e fim de papo. ‘Eu cheguei aqui e você que se vire’. Se esse é um momento que é um divisor de águas para a sociedade, temos que entender que quem venceu também tem que retroalimentar e contribuir na vida de pessoas para que elas cheguem também”, finalizou Léo Figueiró.

Gustavo Basílio destacou a importância dos questionamentos pessoais de cada indivíduo como um grande passo para a mudança como um todo.

“Tenho recebido mensagens de pessoas que têm se sentido incomodadas com a situação, com elas mesmas em relação ao racismo. E eu digo que só de a pessoa se incomodar já é um grande passo. Então se está acontece esse incômodo, agora é hora de ir atrás de informação, procurar saber, e contestar. Ir na empresa e contestar por que tem poucos negros em cargos de alto escalão, por que tem poucos negros em universidades particulares, por que os negros em maioria ocupam mais cargos de limpeza, manutenção… Não que não sejam trabalhos dignos, pois são dignos para qualquer um. Mas a palavra é contestar. É brigar pela causa. Não é só postar #VidasNegrasImportam, é tomar a ação de mudança, estar disposto a fazer esse trabalho. Não só os brancos, nós negros também aprendemos diariamente, não somos melhores que ninguém, mas só estamos pedindo por igualdade”, comentou.

Punhos cerrados e 1 minuto de silêncio

E foi assim, com o gesto tradicional da resistência, que foi respeitado um minuto de silêncio em homenagem a todos que já sofreram racismo das mais variadas formas.

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