HOJE
Fala, Paco!
Por Liga Nacional de Basquete
Duas semis de NBB e um vice sul-americano: técnico espanhol Paco García abre o jogo sobre o que se passou nos últimos três anos e o que vem pela frente para Mogi
Antes de fazer sua estreia no NBB, na temporada 2012/2013, o Mogi das Cruzes/Helbor resolveu apostar em um treinador estrangeiro, em uma prática pouco comum para as equipes brasileiras. A poucos dias do início da quinta edição do maior campeonato de basquete do país, a equipe paulista surpreendeu a todos e anunciou a contratação do até então desconhecido técnico espanhol Francisco García Alvarez, popularmente chamado de Paco García.
E nem o mais otimista torcedor mogiano poderia esperar que a decisão anunciada no dia 23 de outubro de 2012 seria fundamental para o time do Alto do Tietê rapidamente se firmar na elite do basquete brasileiro. Sob o comando de Paco, Mogi não colocou nenhum troféu em sua galeria, mas chegou a lugares difíceis de imaginar para uma equipe que retomou seus trabalhos em 2011, depois de quase uma década de inatividade.
Na temporada de estreia no NBB, Mogi foi discreto e fechou sua participação com o 14º lugar. No ano seguinte, os ventos começaram a mudar de rumo para Paco e o esquadrão mogiano. O começo no NBB 6 não foi lá dos melhores e a torcida chegou a pedir a saída do treinador espanhol. Mas, depois de conquistar a emocionante classificação aos playoffs, na 12ª e última vaga, a equipe paulista mudou de vez sua história. Primeiro eliminou o Pinheiros/SKY nas oitavas de final, depois derrubou o Winner/Limeira nas quartas e se tornou o primeiro time a sair do 12º lugar da fase de classificação a alcançar as semifinais.
O inédito e histórico desempenho no NBB 6, que parou diante do Flamengo nas semifinais, trouxe alguns frutos ao Mogi para o ano seguinte e a equipe cravou uma vaga na Liga Sul-Americana. Sem fazer feio, Paco e seus comandados foram até a decisão do torneio continental. No NBB, a equipe conseguiu repetir o feito da temporada anterior, chegou às semifinais novamente – apenas o Flamengo tem em seu currículo estar entre os quatro melhores do NBB em duas edições seguidas – e desta vez acabou eliminada pelo Paschoalotto/Bauru.
Agora, Mogi terá um elenco ainda mais poderoso para a próxima temporada. Depois de manter oito jogadores em relação ao último ano, a equipe acertou as contratações de Larry Taylor, ex-Bauru, e Lucas Mariano, ex-Franca, para tentar subir ainda mais de patamar. O comando? Sem dúvidas seguirá nas mãos de Paco. Depois de três anos de trabalho, mas de muito sucesso, o espanhol teve seu contrato renovado e irá para sua quarta temporada à frente do esquadrão do Alto do Tietê.
Ainda de férias na Espanha, seu país natal, Paco García abriu o jogo e falou sobre tudo o que aconteceu nesses três anos em solo brasileiro, além é claro de fazer projeções para a próxima temporada. Então, é só rolar a página e ler tudo que o treinador espanhol, de 48 anos, falou em entrevista exclusiva ao site da LNB (Liga Nacional de Basquete).
Liga Nacional de Basquete – Quais as principais dificuldades que você encontrou logo que chegou ao Brasil para executar seu trabalho? E o que te surpreendeu positivamente?
Paco García – Foi muito difícil assimilar algumas coisas no começo. A regulamentação brasileira é muito exigente e tive problemas para pode exercer minha profissão. Todo o meu histórico anterior como técnico, tanto na ACB (Liga Espanhola) e Seleção da Espanha, parecia não servir. Tive que lutar com a sensação de que parecia que estava aqui no Brasil para “roubar” o lugar de um técnico nacional, o que não é verdade. Por outro lado, encontrei um lugar maravilhoso para morar. O Brasil é um grande país e Mogi das Cruzes é uma cidade com uma grande qualidade de vida. Estou muito feliz aqui.
LNB – Qual a avaliação que você faz dessas três temporadas que você viveu no Brasil?
PG – Esses anos têm sido uma parte fantástica tanto da minha vida pessoal quanto profissional. Aqui se joga um basquete bastante diferente do que eu estava acostumado a ver na Espanha. Fora das quadras, estou aprendendo a conviver com uma cultura distinta da minha. É um trabalho em constante evolução e tento evoluir dia a dia.
LNB – Quando você foi contratado pelo Mogi, a equipe tinha acabado de chegar ao NBB. Você esperava esse sucesso todo apenas três anos depois?
PG – Eu sou uma pessoa muito ambiciosa. Mas tenho que admitir que a evolução da equipe, não só pelo que fizemos dentro de quadra, mas também por tudo o que aconteceu fora das quadras, na parte estrutural, foi muito grande nesse período. Acho que chegamos antes do previsto ao nível das principais equipes do basquete brasileiro.
LNB – Como você avalia o nível técnico do NBB? Você diria que estamos muito longe das principais ligas do mundo neste quesito?
PG – Quando eu cheguei ao Brasil falei que o NBB poderia ser uma das liga mais importantes do mundo e isso agora é uma realidade. O NBB conta cada vez mais com melhores atletas e técnicos e o campeonato já é bastante respeitado na Europa. Os resultados internacionais das equipes brasileiras, como por exemplo a vitória do Flamengo diante do Maccabi na última Copa Intercontinental, dão ainda mais importância para isso. Eu posso falar, sem dúvida alguma, que o NBB está agora entre as melhores ligas do mundo, mas isso não quer dizer que não há o que evoluir. Acho que a melhora dos ginásios e das estruturas dos clubes, além de uma facilidade maior para que cheguem jogadores que elevem ainda mais o nível da competição, podem ajudar ainda mais o NBB a crescer.
LNB – Este ano você foi selecionado para comandar o NBB Mundo no Jogo das Estrelas e chegou a se emocionar quando chegou ao evento. O que significou esta escolha e este momento para você?
PG – Foi uma sensação muito legal. Tive o reconhecimento de que três anos depois da minha chegada o basquete brasileiro me aceitava. O caminho não foi fácil para chegar lá, mas foi algo muito bacana e positivo para minha carreira.
LNB – Aqui no Brasil, seja em qualquer esporte, não é comum um treinador permanecer tanto tempo em uma única equipe. Em alguns momentos, principalmente na fase de classificação do NBB 6, você precisou enfrentar este tipo de pressão. Como você vê a confiança da diretoria do Mogi no seu trabalho?
PG – Um técnico sempre tem que passar por momentos de pressão e eu tive a sorte de ter o Nilo (Guimarães, secretário de Esportes de Mogi) e o Ewerton (Komatsubara, diretor da equipe) ao meu lado. Eles sempre ajudaram nos momentos mais difíceis. Sempre me deram muita confiança e respaldo ao meu trabalho e às decisões que tomei neste tempo. Sou muito agradecido a essas duas pessoas e sei que eles têm total importância nessa minha permanência em Mogi.
LNB – Nesta temporada, Mogi esteve muito perto de chegar à final do NBB. Bauru era um adversário que vocês não tinham vencido ainda na temporada (seis derrotas) e, no final das contas, a série semifinal foi mais do que emocionante. Como foi a preparação psicológica para sua equipe esquecer o retrospecto negativo e jogar de igual para igual com Bauru?
PG – A verdade foi que sabíamos que nossa evolução estava claro. Passamos por momentos difíceis na temporada, saíram jogadores, outros se machucaram, outros chegaram, e demoramos um pouco a entrosar. Nosso trabalho foi longo, mas sabíamos que foi um trabalho certo para chegarmos em condições nas semifinais. Já tínhamos enfrentado Bauru em seis oportunidades e nada tinha dado certo para nós. Então mudamos algumas coisas para aquela série. Mudamos alguns detalhes e algumas situações que se repetiram nas derrotas anteriores que tivemos contra eles. Até o hotel em que ficamos hospedamos lá em Bauru nós trocamos (risos). Pode parece algo absurdo, mas também nos ajudou a ter mais confiança.
LNB – Depois vencer o Jogo 3, vocês tiveram a chance de fechar o confronto em casa. O que aconteceu naquele épico Jogo 4 de duas prorrogações contra Bauru?
PG – Foi um grande jogo e tivemos a classificação para a final na mão. O placar estava empatado e tivemos a última bola do tempo normal, mas não tivemos uma bola leitura e aquela jogada não foi executada como deveria. Nas prorrogações eles aproveitaram a qualidade individual que tinham e nos venceram. Foi uma partida difícil de esquecer, mas lembro de falar ao meu time: “já sabemos como chegar na última bola para ganhar o jogo, agora temos que saber aproveitá-la”.
LNB – O que você pode dizer sobre a apaixonada torcida do Mogi? Eles já fizeram filas e mais filas para comprar ingressos para jogos decisivos e são bastante envolvidos com a equipe. Como você vê esse envolvimento da comunidade com a equipe?
PG – Para o projeto de Mogi, a torcida é a parte mais importante. Jogadores vão e vem, assim como o técnico, mas a torcida sempre estará ali dando respaldo. Eles (torcida) são uma força extra para equipe e nós temos a sorte de morar e jogar em uma cidade que respira basquete. Às vezes vamos jogar fora de casa e vejo ginásio com apenas 300 pessoas e isso é muito triste. Mas, em Mogi, temos o respaldo diário de milhares de pessoas.
LNB – Agora você irá para sua quarta temporada no comando do Mogi e a equipe segue se reforçando. O que você projeta para a próxima temporada?
PG – Temos que melhorar e o caminho é pelo trabalho diário. Para mim, a palavra ganhar tem que vir sempre depois de muito trabalho. Temos que buscar vitórias a cada jogo, em cada competição, e temos que ter em mente que só assim o Mogi seguirá na parte de cima do basquete brasileiro. Chegar ao topo é difícil, mas muito mais difícil é se manter por lá. Somente Flamengo e Mogi chegaram a seguidas semifinais na história do NBB, mas não podemos achar que isso é o bastante. Para mim, o principal objetivo do Mogi na próxima temporada tem que ser buscar ser melhor a cada dia. Temo que ter disciplina, respeito e muito trabalho, sempre com humildade, mas com muita ambição também.
LNB – Vocês disputarão novamente a Liga Sul-Americana, torneio em que o Mogi foi vice-campeão em 2014 e que dá a seu campeão o direito de disputar a Liga das Américas. O que você espera da equipe neste ano na competição?
PG – Como sempre falo, temos que seguir trabalhando e melhorando, seja lá em qual competição for. Especificamente na Liga Sul-Americana, sabemos as dificuldades que iremos enfrentar, ainda mais agora que entramos como os atuais vice-campeões. Ao mesmo passo, já temos a experiência de ter disputado o torneio no ano passado e isso pode nos ajudar.
Na última Liga Sul-Americana, ninguém acreditava que Mogi poderia chegar à final, mas agora todo mundo sabe que Mogi pode ganhar de qualquer equipe.
LNB – Falando um pouco da sua vida pessoal agora. Você tem um blog, uma prática pouco comum entre os técnicos brasileiros. Como é essa sua paixão por escrever e contar mais sobre o que está acontecendo com sua equipe?
PG – O blog nasceu em um período da minha vida que trabalhei na África. Era a forma que eu tinha de expressar minha vida e meus sentimentos fora do meus país. Também encontrei um jeito de ficar conectado aos meus familiares e amigos e atualizá-los sobre minha rotina. Lá eu falo de basquete, de assuntos pessoais, de política, entre outras coisas. Sempre me senti livre para falar de assuntos variados, mas sem faltar com o respeito com ninguém. Tento sempre falar a verdade que estou enxergando no momento. Sou um grande defensor da liberdade de expressão.
LNB – Como é a vida do Paco García em Mogi das Cruzes? O que você gosta de fazer nas horas vagas?
PG – Minha vida é muito fácil. Fico muito horas no ginásio e temos uma estrutura muito boa por lá. Preparo treinos, analiso vídeos e jogos, e estou sempre atento a tudo que pode ajudar o Mogi a melhorar. Esse é o Paco nas horas em que está trabalhando, mas fora da quadra sou diferente. Gosto de sair e moro em uma cidade com bons restaurantes. Quando temos folga, gosto muito de ir à praia e isso é uma facilidade por morar em Mogi. Aqui estamos muito perto da praia e gosto bastante de Guararema. Se quero ir a uma cidade grande, estamos bem perto de São Paulo também. Minha família fica na Espanha, mas eles costumar vir me visitar ao longo da temporada. Quando eles vêm, tudo fica mais fácil para mim, sem dúvidas. Já fizemos algumas viagens pelo Brasil, como Foz do Iguaçu (PR), Rio de Janeiro (RJ) e Ilhabela (SP). O Brasil é um país maravilhoso.