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LDB

Cabelos e trotes

19-07-2022 | 12:41
Por Arthur Salazar - Collab NBBxPosterizamos

Entenda como o clássico confronto entre Vasco e Botafogo está enraizado em uma cultura que vai além da rivalidade dentro de quadra e se manifesta na cultura de renovação de elencos e atletas estreantes na LDB

Artigo escrito por Arthur Salazar via Collab NBBxPosterizamos

Como em toda fase de mudança, o trote é uma das formas mais brasileiras de simbolizar a transição de épocas na qual um veterano acolhe seu calouro em um processo que propositalmente banaliza o vexame. Por conta disso, é muito comum ver, em jogos da LDB, uma horda de recém-carecas que entram de vez no basquete brasileiro impulsionados por esse rito de passagem. Na estreia da edição de 2022 do maior campeonato da base, o encontro dos rivais cariocas: Vasco/Tijuca e Botafogo, trouxe um curioso contraste nos cabelos que explica muito do momento e história desses adversários que se conhecem muito bem.

Liderada por Matheusinho, a geração do Tijuca Basquete de nascidos entre 1999 e 2000 dominou o basquete do Rio de Janeiro até o momento de sua profissionalização. Mas quando era momento de efetivar Matheusinho; Daniel (pivô titular do Vasco na LDB22); Ítalo (número 1 do 3×3 brasileiro sub-23); Lucas Barbosa (ex-Cerrado); Serjão (líder do jovem São José que disputa essa mesma LDB) e tantos outros jovens promissores, o basquete do Tijuca deixou a desejar, e assim, deixou escapar um grupo que fez história na base. Curiosamente, em 2022 as estrelas se alinharam para a volta da dupla Matheusinho e Daniel à zona norte do Rio de Janeiro, mas dessa vez, como pilares de um novo projeto que tenta quase reparar danos passados.

Matheusinho está de volta ao basquete do Vasco para retornar   com antigas tradições dentro e fora das quadras

Em parceria com o Vasco da Gama, o basquete tijucano voltou para a elite da base em 2022, e com apenas 2 atletas “cabeludos” esse time estreou em Santa Cruz do Sul. O elenco vascaíno é baseado no time sub-19 do Tijuca Tênis Clube, que apesar de menos vitorioso que o Sub-17 de Matheusinho e Cia, recebe uma oportunidade que ironicamente só pode ser valorizada com a perda daquele timaço de anos passados. Afinal, o Vasco/Tijuca dessa LDB premia 10 atletas (em um elenco de 12) com o primeiro passo da profissionalização sem a necessidade de trocar de camisa.

Já sabemos que sem Matheusinho e Daniel não existiria Vasco/Tijuca. Mas curiosamente, é a existência desses protagonistas que viabiliza o Botafogo Basquete em sua mais nova forma, já que assim como o Vasco/Tijuca, o basquete do alvinegro da zona sul carioca também vive uma reconstrução e sonha em quebrar uma hegemonia no basquete de seu estado.

Após anos de glória no basquete adulto sob o comando de Léo Figueiró, o Botafogo saiu de cena e precisou se apegar à base para sonhar com um futuro dentro das quadras. Com essa motivação, foi formado um elenco com jovens famintos para a LDB de 2022 que buscam se provar parte importante dessa renovação botafoguense.

Sem nenhuma referência de outro patamar como Matheusinho e Daniel para atuar no papel de veterano e aplicador do trote, os atletas do Botafogo seguem com o corte de cabelo intacto. Essa diferença no visual também separa os estágios em que estão os rivais cariocas na formação e no basquete de base. De um lado, o basquete tijucano tem seus alicerces muito bem centrados em figuras do passado que são quase “medalhões” em um torneio Sub-22 e simbolizam toda a construção da base. Enquanto no caso alvinegro, esse é um time que apostou no caminho contrário e investiu na mais badalada das categorias para poder começar de vez um desenvolvimento no basquete de formação. Basicamente, a presença do Botafogo na LDB, mesmo que pouco vinculada às categorias que a antecipam, legitima todo o processo de formação que acontecerá nos próximos anos.

O contraste entre os elencos com tradições enraizadas até nos cabelos e equipes com formações que constroem uma nova história na LDB

De certa forma, o modelo tijucano que resultou em um elenco multicampeão da geração 99-00, é o objetivo final de ambos times, mesmo que por caminhos explicitamente diferentes. A meta é, em um basquete estadual que tem um clube acostumado a captar todos grandes prospectos e seguir com sua hegemonia, se colocar no papel de clube formador que desenvolve não só grandes jogadores mas que os dá continuidade no profissional. Para o Vasco/Tijuca, esse sonho se materializa na contratação de ídolos do passado para guiar jovens em sua primeira experiência em tal nível. No lado botafoguense, ao colocar um time na LDB, o projeto automaticamente ganha credibilidade e não precisa de ritos de passagem internos tão escancarados quanto a própria reconstrução do projeto que ainda precisa de uma cultura mais forte para poder começar a ostentar sua nova fase.

E a respeito dos cabelos, na região mais ao norte da cidade fluminense existe uma hierarquia definida em legado que estimula a tradição banalizadora. Enquanto do outro lado do RJ, um grupo mais livre e sem tal estrutura garante que todo mundo saia bem na foto e com os mais diferentes cortes de cabelo. Quem sabe essa organização tijucana não resulta em frutos para essa geração privilegiada a jogar à LDB, e porque não esperar que o Botafogo de alguns anos aproveite esse impulso pioneiro de 2022 para se consolidar de novo no topo do basquete brasileiro.

A LDB é uma competição organizada pela Liga Nacional de Basquete (LNB), em parceria com a NBA e o Comitê Brasileiro de Clubes (CBC), e conta com o patrocínio oficial da Penalty, e apoio da IMG Arena e Genius Sports.