HOJE
Cabelos e trotes
Por Arthur Salazar - Collab NBBxPosterizamos
Entenda como o clássico confronto entre Vasco e Botafogo está enraizado em uma cultura que vai além da rivalidade dentro de quadra e se manifesta na cultura de renovação de elencos e atletas estreantes na LDB
Artigo escrito por Arthur Salazar via Collab NBBxPosterizamos
Como em toda fase de mudança, o trote é uma das formas mais brasileiras de simbolizar a transição de épocas na qual um veterano acolhe seu calouro em um processo que propositalmente banaliza o vexame. Por conta disso, é muito comum ver, em jogos da LDB, uma horda de recém-carecas que entram de vez no basquete brasileiro impulsionados por esse rito de passagem. Na estreia da edição de 2022 do maior campeonato da base, o encontro dos rivais cariocas: Vasco/Tijuca e Botafogo, trouxe um curioso contraste nos cabelos que explica muito do momento e história desses adversários que se conhecem muito bem.
Liderada por Matheusinho, a geração do Tijuca Basquete de nascidos entre 1999 e 2000 dominou o basquete do Rio de Janeiro até o momento de sua profissionalização. Mas quando era momento de efetivar Matheusinho; Daniel (pivô titular do Vasco na LDB22); Ítalo (número 1 do 3×3 brasileiro sub-23); Lucas Barbosa (ex-Cerrado); Serjão (líder do jovem São José que disputa essa mesma LDB) e tantos outros jovens promissores, o basquete do Tijuca deixou a desejar, e assim, deixou escapar um grupo que fez história na base. Curiosamente, em 2022 as estrelas se alinharam para a volta da dupla Matheusinho e Daniel à zona norte do Rio de Janeiro, mas dessa vez, como pilares de um novo projeto que tenta quase reparar danos passados.
Em parceria com o Vasco da Gama, o basquete tijucano voltou para a elite da base em 2022, e com apenas 2 atletas “cabeludos” esse time estreou em Santa Cruz do Sul. O elenco vascaíno é baseado no time sub-19 do Tijuca Tênis Clube, que apesar de menos vitorioso que o Sub-17 de Matheusinho e Cia, recebe uma oportunidade que ironicamente só pode ser valorizada com a perda daquele timaço de anos passados. Afinal, o Vasco/Tijuca dessa LDB premia 10 atletas (em um elenco de 12) com o primeiro passo da profissionalização sem a necessidade de trocar de camisa.
Já sabemos que sem Matheusinho e Daniel não existiria Vasco/Tijuca. Mas curiosamente, é a existência desses protagonistas que viabiliza o Botafogo Basquete em sua mais nova forma, já que assim como o Vasco/Tijuca, o basquete do alvinegro da zona sul carioca também vive uma reconstrução e sonha em quebrar uma hegemonia no basquete de seu estado.
Após anos de glória no basquete adulto sob o comando de Léo Figueiró, o Botafogo saiu de cena e precisou se apegar à base para sonhar com um futuro dentro das quadras. Com essa motivação, foi formado um elenco com jovens famintos para a LDB de 2022 que buscam se provar parte importante dessa renovação botafoguense.
Sem nenhuma referência de outro patamar como Matheusinho e Daniel para atuar no papel de veterano e aplicador do trote, os atletas do Botafogo seguem com o corte de cabelo intacto. Essa diferença no visual também separa os estágios em que estão os rivais cariocas na formação e no basquete de base. De um lado, o basquete tijucano tem seus alicerces muito bem centrados em figuras do passado que são quase “medalhões” em um torneio Sub-22 e simbolizam toda a construção da base. Enquanto no caso alvinegro, esse é um time que apostou no caminho contrário e investiu na mais badalada das categorias para poder começar de vez um desenvolvimento no basquete de formação. Basicamente, a presença do Botafogo na LDB, mesmo que pouco vinculada às categorias que a antecipam, legitima todo o processo de formação que acontecerá nos próximos anos.
De certa forma, o modelo tijucano que resultou em um elenco multicampeão da geração 99-00, é o objetivo final de ambos times, mesmo que por caminhos explicitamente diferentes. A meta é, em um basquete estadual que tem um clube acostumado a captar todos grandes prospectos e seguir com sua hegemonia, se colocar no papel de clube formador que desenvolve não só grandes jogadores mas que os dá continuidade no profissional. Para o Vasco/Tijuca, esse sonho se materializa na contratação de ídolos do passado para guiar jovens em sua primeira experiência em tal nível. No lado botafoguense, ao colocar um time na LDB, o projeto automaticamente ganha credibilidade e não precisa de ritos de passagem internos tão escancarados quanto a própria reconstrução do projeto que ainda precisa de uma cultura mais forte para poder começar a ostentar sua nova fase.
E a respeito dos cabelos, na região mais ao norte da cidade fluminense existe uma hierarquia definida em legado que estimula a tradição banalizadora. Enquanto do outro lado do RJ, um grupo mais livre e sem tal estrutura garante que todo mundo saia bem na foto e com os mais diferentes cortes de cabelo. Quem sabe essa organização tijucana não resulta em frutos para essa geração privilegiada a jogar à LDB, e porque não esperar que o Botafogo de alguns anos aproveite esse impulso pioneiro de 2022 para se consolidar de novo no topo do basquete brasileiro.
A LDB é uma competição organizada pela Liga Nacional de Basquete (LNB), em parceria com a NBA e o Comitê Brasileiro de Clubes (CBC), e conta com o patrocínio oficial da Penalty, e apoio da IMG Arena e Genius Sports.