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Bial, obandeirante

09-05-2020 | 01:39
Por Douglas Carraretto

Folclórico, apaixonado e desbravador: Bial conta lindas histórias de seu passado descobrindo os sete mares com a bandeira do basquete

Alberto Bial é muito mais do que um técnico, ex-jogador, gestor. É um bandeirante. Sua bandeira é o basquete. Sua missão? Nada de prender índios e explorar minas. É descobrir novos horizontes para enfincar sua bandeira. É descobrir. Desbravar. Sem medo do desconhecido. Esse é Alberto Bial.

Suas histórias com o esporte começaram nas Laranjeiras, lá em 1963, aos 11 anos, e duram até hoje. Cada etapa de sua vida teve um conto. Na verdade, ele é como uma obra feita de pequenos contos, mas que se transformam em grandes histórias. Espirituoso, acredita religiosamente em milagres. Tem a capacidade de enxergar cores e valores em cada praça, em cada esquina, sem saber o que ou com quem.

Pois bem, nesta sexta-feira (08/05) ele abrilhantou a da live da campanha #BasqueteEmCasa no Instagram do NBB (@NBB), comandada pela repórter Giovanna Terezzino. Nos levou a uma verdadeira viagem no tempo ao longo de sua vida. Cada história é um folclore diferente. Aliás, Bial é, de longe, a figura mais folclórica que há no basquete brasileiro.

A apresentação do elenco do Basquete Cearense foi regada de alegria e motivação para a próxima temporada (Divulgação)

Fluminense, Flamengo, Botafogo, Vasco da Gama, Angra dos Reis, Goiânia, Emirados Árabes, Seleções, Joinville e Basquete Cearense, onde foi o grande embaixador de um movimento que praticamente não existia no Ceará. Quantos horizontes ele já desbravou. Fez excursões pela Europa, para a China e até pelo Caldeirão do Huck, da TV Globo.

Atualmente, aos 68 anos, Bial desfila seu conhecimento como comentarista dos jogos do NBB e também atua como Vice-Presidente de Desenvolvimento Socioambiental da Liga Nacional de Basquete. Segue ativo. E suas histórias, apesar de passadas, seguem mais vivas do que nunca. Vale a pena conferir.

Por que o basquete?

“Cheguei ao Fluminense em 58. Não jogava basquete. Fazia natação, futebol, um pouco de tudo. Em 1963, a Seleção Brasileira foi treinar no Fluminense para jogar o Mundial daquele ano. Meu pai me levou para assistir à final no Maracanãzinho, em que o Brasil ganhou dos Estados Unidos. Fiquei alucinado e me apaixonei. Eu jogava de tudo na escola. Mas um dia o Rosa Branca, em um desses treinos no Fluminense, passou a mão na minha cabeça, nunca me esqueço, e jogou uma bola na parede, como um malabarismo, e ela entrou na cesta, de chuá! Eu pensei: ‘É um Globetrotter’. Isso ficou no meu imaginário. Aí eu saí da natação para o basquete, tive essa sorte. Tive outra sorte também de ter um professor que tinha o domínio completo dos fundamentos do jogo, que ensinou tudo ao melhor pivô do país na época, o Marquinhos Abdalla, um grande amigo meu. Em 68 eu já era titular do adulto do Fluminense. Em 70 eu já era técnico, influenciado pelos grandes treinadores da época”.

Um jogador “mal acostumado”

“Fui mal acostumado como jogador, pois desde que comecei a jogar junto com Marquinhos, de 1966 a 1974, ganhamos todos os títulos, a maioria invictos. Fomos pentacampeões no adulto até. Na época ganhar o estadual era como ganhar o NBB. Final com Maracanãzinho lotado, com 16, 18 mil pessoas. Tempos muito bons”.

Técnico ou jogador?

“Minha transição de jogador para treinador foi muito natural. De 1970 a 1982 eu acumulei as duas funções no Fluminense, como técnico de base e jogador no adulto. Aí fui para o Flamengo, onde eu jogava no adulto e treinava as categorias infantil e infanto. Depois, no Clube Municipal, mesma coisa. No Mackenzie também… Então foi mais tranquilo. Aí me surgiu o convite de ir para os Emirados Árabes. Foi demais, porque lá fui só técnico, lá não tinha essa de jogar também. Fui para treinar um time adulto (Al Hilad), mas acabei treinando o juvenil também. Quando fui ver, já estava treinando o Sub-15 e o mini basquete. Ou seja, fui treinador de todas as categorias naqueles anos de Emirados Árabes (risos)”. 

Emirados Árabes?

“Pois é, eu e Leila (esposa) fomos jogados naquele mundão, com as crianças pequenas. Aquela cultura árabe, diferente… Não tinha essa tecnologia na época. Era eu, Leila e a lua caindo sob nossas cabeças. Casamos em 1977, tínhamos seis anos de casados quando fomos, mas ali foi quando realmente nos unimos de maneira completa, colamos um no outro, uma união familiar intensa e incrível. Ficávamos com nossos filhos quase 24 por dia. Lá eles treinavam pouco, eu passava duas horas só dando treino. Eu ligava para minha mãe uma vez por mês, do posto telefônico, a Leila também, então isso uniu muito nossa família”. 

Nas “Arábias”, uma nova escola

“Nos Emirados Árabes, pela primeira vez, vi uma nova escola de basquete sem ser a brasileira, porque trabalhei com técnico americanos, iugoslavos… Os americanos já influenciavam o basquete brasileiro, mas o iugoslavo não, e eu fiquei muito amigo de um técnico iugoslavo. Ele falava em espaçamento, abrir a quadra, coisas que eu nunca tinha imaginado. Mas a cultura árabe me encheu de informações, com aquelas coisas de “você seria a melhor pessoa do mundo se fosse muçulmano”. Ouvia muito isso (risos). Fui a casamentos, comia sentado no chão… criei uma relação muito legal com eles”.

Um novo início em Joinville

“Esse foi mais um milagre na minha vida. Eu acredito em milagres, mas tem eu ter positividade. Não precisa conhecer Buda, ser budista, é só ter tranquilidade, olhar, respirar, a pensar e falar aquilo que deseja… e aí aconteceu um milagre. Eu e meus atletas tínhamos sido demitidos do Joinville, porque o time era do poder público. Mas nessa época eu já estava trabalhando com o Kouros, Jorge bastos, Arnaldo Szpiro, Eder Lago, na formação da Liga Nacional de Basquete. Mas eu não tinha time. Eu tinha só cinco jogadores comigo. O Shilton era meu braço direito. Eles ganharam o Sul-Brasileiro, Jogos Abertos, Campeonato Catarinense, sem ganhar um tostão. Eu ainda recebia um salário da prefeitura, mas merreca. Mas eu sempre prometi que ia lutar por coisas maiores. E isso aconteceu da maneira que eu menos esperava”.

O “empurrão” de Luciano Huck

“Naquela época o time de Joinville fazia vários trabalhos sociais, e nós sempre visitávamos uma senhora que adotava 53 crianças com deficiência, a Dona Abigail. Em um dia, ela me perguntou ‘por que você não manda uma carta para o Luciano Huck consertar meu ônibus no Lata Velha?’. Aí eu mandei, sem tanta esperança. Meu genro trabalhava na Globo na época e me ajudou a melhorar a carta. Um tempo depois, me liga um tal de Luciano. ‘É o Luciano!’. Eu disse: ‘Que Luciano?’. ‘Luciano Huck, Bial!’. E ele veio dizendo que ia fazer o Lar Doce Lar, isso, aquilo, era um especial de fim de ano… Eu não assistia o programa (sussurrando). Aí no mês seguinte aconteceu. Levaram a dona Abigail para Fernando de Noronha, quando ela voltou estava tudo bonito, foi incrível, tudo lindo para as crianças…Mas tem mais”

“Como era um especial de fim de ano, chamaram o time de Joinville para uma participação nesse especial de final de ano. Duas horas de Globo aberta, dia 27 de dezembro, nosso time estava bombando de visibilidade naquele momento. Aí teve uma gravação no Projac. Era um quadro em que eles pediram para eu escolher um dos ‘filhos’ da dona Abigail para participar. Era para dar uns arremessos e ganhar um dinheiro. Escolhi um menino, o Israel, que tinha algumas deficiências, como todos ali, mas tinha uma frieza incrível, não ficava nervoso por nada. Ele tinha que chutar 25 lances livres, coisa assim. Mas quando chegamos no Projac, o aro era altão, lá no alto, e eu falei ‘como fizeram isso, vocês são malucos?’. O Douglas Viegas foi comigo, treinamos o menino, arrumamos o arremesso d ele. Isso valia 30 ou 50 mil reais de supermercado para o ano inteiro. O Israel meteu várias bolas, uma atrás da outra, e fim! Ganhou!!! Eu chorava, abraçava o garoto, uma grande emoção… Aí o Luciano cometeu o erro de colocar o microfone da minha boca. Não deu outra… Eu gritava ‘o Brasil é muito desigual, precisa mudar isso, o esporte não tem investimento!!!’. Meu irmão ficou diodo, me xingou, falou que eu parecia um político, mas tudo bem (risos). Mas o melhor aconteceu…

Habemus patrocínio!

“Depois disso tudo, eu voltei para Joinville para arrumar minhas coisas para voltar para o Rio de Janeiro, já que não íamos mais ter time. Quando me liga a secretária do dono da Ciser (fabricante de ferramentas), querendo conversar comigo para patrocinar do time de basquete. Eu já logo perguntei se era por causa do programa. Disseram que não (uma mentira…). Aí eu mantive os cinco jogadores que estavam comigo, chamei dois americanos, chamei o Olívia (irmão mais velho do Olivinha), e jogamos o NBB. Ficamos em 3º por dois anos seguidos, jogamos muito, muito! Depois acabei de aborrecendo com algumas coisas e saí em 2011. Mas foi uma passagem muito marcante na minha vida”.

Alberto Bial, do Joinville

Sob o comando do Joinville, Alberto Bial participou até dos primeiros Jogos das Estrelas do NBB (Divulgação/LNB)

O nascimento do Carcará

“Esse foi outro pequeno milagre na minha vida. Durante muito tempo fui palestrante em Santa Catarina. Meu trabalho foi tão bom lá que comecei a vender muitas palestras, de como o esporte pode trazer bons frutos para instituições. Uma delas foi no Ceará. E eu tinha uma bronca enorme de quem falava mal do Nordeste. Se formos colocar uma lupa no Brasil, vamos ver tanta desarmonia, tanta desordem, tanta gente passando fome, tanta coisa acumulada, gente sem nada, e eu me incomodava com isso. Nessa palestra do Nordeste, a primeira que eu fiz lá, eu encontrei o Secretário de Esporte do Ceará, um cara boleiro, gostava de futebol, e falei ‘por que a gente não faz o NBB aqui?’. Ele perguntou: ‘Pô Bial, você consegue?’ Eu logo falei: ‘é mole’… Claro, não ia dizer que era difícil (risos). Ele me apresentou o governador, Cid Gomes. Um dia ele foi para o Rio de Janeiro, e eu logo chamei o dono da SKY, que era meu amigo. Saímos correndo para o aeroporto para encontrá-lo. Ficamos muito amigos, eu e Cid, até hoje temos uma relação muito boa. Aí ele se disponibilizou a ajudar com uma das metades do que precisava. A outra metade ficou com a SKY. Durou nove meses esse processo. Aí em julho de 2012, nasceu o Basquete Cearense”.

Pessoas especiais

“Devo tudo a esses três caras. O Dannyel Russo foi o primeiro que procurei na minha palestra no Ceará. Já conhecia ele no tempo em que ele jogava, bem garoto, e já via nele um potencial de ser técnico, pela pessoa que era. Ele tinha pedido para eu bater um papo com o time dele na época. Falei para os meninos ‘ano que vem vai ter NBB aqui hein?’. Aí todo mundo já me chamou de logo, ‘que papo é esse, Bial…’, aquela coisa (risos). Mas o Russo é um guerreiro, um dos filhos de um grande amigo meu, Núbio Vidal, técnico lá no Ceará”

Espiga eu conheço há muito tempo e conheci toda a ascensão e crescimento dele. Comecei a trabalhar com ele em 1997, em uma Seleção Brasileira Universitária que ele acabou convocado de última hora. Foi o grupo mais saudável, puro de relacionamento, verdadeiro, com Marcelinho Machado capitaneando. Foi incrível aquilo. Foi ali que começou. Ficamos 20 anos juntos. Vi ele crescendo em vários pontos, e vi ele um talento de jogador, até subestimado, e um grande treinador. Ele me deu o maior título da minha vida no basquete, o da LDB Sub-22, em que ganhamos do Cristiano Felício, do Paulo Chupeta (técnico), e ele se tornou um baita treinador, um homem de primeira linha”.

Alberto Bial tem relação de 20 anos com seu fiel escudeiro Espiga. No NBB, eles chegaram a se enfrentar algumas vezes (João Pires/LNB)

“E o Thális Braga eu conheci quando ele tinha 20 e poucos anos. Já tinha uma inteligência academia, familiar, muito grande. E já gostava muito de basquete. E no nosso projeto nós sempre fomos nos aperfeiçoando. Fomos à Euroleague, Summer League, Fundação Getúlio Vargas, sempre estudamos muito lá, fomos aperfeiçoando… Porque não é fácil fazer esporte no Ceará. Mas hoje, o esporte no Ceará está em outro patamar, com Rogério Ceni no Fortaleza, o Ceará na primeira divisão… Mas eu digo que o esporte cearense veio nas asas do Carcará. As asas do carcará trouxeram consigo outros esportes. O Thális é um dos grandes responsáveis por isso… Tenho um carinho por ele igual ao que tenho pelo Espiga. Enfim, devo tudo a esses três caras e tenho muito orgulho deles”.

Os livros e o milagre de Boracini

“A formação do atleta  é muito importante, e o Paulinho me traz essa reflexão. Fiz parte de um grupo de estudos da UOUS, do David Pelosini (técnico do Sub-20 do Pinheiros), entrei na parte da psicologia, que eu adoro. As meninas lá são muito boas. Falamos em ioga, meditação, visualização. Aí me lembrei que o Paulinho foi evoluindo… E me lembrei dos tempos em que ele era garoto, saindo de Mogi, lá no início dos anos 2000, chegando em Joinville. Ele dizia que nunca tinha lido um livro. Hoje ele lê livros, constituiu uma família linda, e você vê no jogo dele essa mudança, a inteligência. E ele me faz aquela bola… O pessoal fala ‘ah, o Marcelinho Huertas fez essa bola e inspirou ele’… Não! Aquela bola ele treinava com os filhos dele, de brincadeira, no playground dele. E eu o via fazendo isso no final dos treinos também”.

“Para fazer aquela bola, o Paulinho Boracini conseguiu incorporar no jogo dele o livro. Incorporou a cultura maior, para ter aquela leveza, aquela inteligência de fazer uma coisa daquelas. Aquilo não acontece por acaso… a bola não entra por acaso! Foi um milagre. Ele jogou a bola lá no canto e veio o Alex em cima dele, “Brabo” para cima dele. E ele não se desconsertou não. Faltavam dois segundos, ele jogou lá por cima. Coisa linda. Eu não podia pular em cima dele, estava com as costas travadas. O Russo me abraçava e eu falava para mim ‘Eu te falei! Eu te falei!’, o resto não posso contar (risos). O basquete é um grande ensinamento, esporte é um grande ensinamento. Por isso, quando você vê alguém que começa a ganhar dinheiro e se desvirtua de um caminho, é triste. Mas o Paulinho é um cara muito, mas muito querido mesmo…”

O surgimento NBB

“O basquete vivia um momento em que não conseguia transportar a cultura do basquete brasileiro que é tão entranhada no povo. O Brasil respirava basquete em 1964. Fui no aeroporto recepcionar a Seleção, revista de esporte tinha basquete na capa. E a LNB trouxe profissionalismo incrível para a coisa. Hoje tem vários profissionais incríveis nos times. Hoje ainda que ainda temos uma carência ali nos 6 a 10 anos, onde as crianças deveriam começar a jogar, mas tem só uma elite. Na verdade, deveríamos ter um ‘semeamento’ maior, arar o terreno com uma diversidade maior. O barato do Brasil é a diversidade, e essa diversidade não é plantada. Isso deveria ser feito para essas crianças chegarem ao mini basquete tinindo. Temos ótimos professores de basquete no Brasil. Com isso, teríamos uma massa, demanda incrível para novamente comandar o mundo. Não sei se chego lá, mas o Brasil tem tudo para ser aquela potência que foi na década de 60. Tivemos time que foi vice-campeão mundial sem treinar direito. Então a LNB foi muito importante, onde chego me perguntam dela. A LNB, quando surgiu, em 2008, foi uma salvação”.

O NBB é uma competição organizada pela Liga Nacional de Basquete (LNB), com chancela da Confederação Brasileira de Basketball (CBB) e em parceria com a NBA, e conta com os patrocínios oficiais da Budweiser, Unisal, Nike, Penalty, Plastubos e VivaGol e o apoio da Pátria Amada Brasil – Governo Federal.