O garoto por trás do recorde

Véspera de uma viagem importante. A principal preocupação é arrumar mala, conferir se não esqueceu alguma coisa. Correto? Não. Para Tiago Marques, jogador do São Paulo na Liga de Desenvolvimento de Basquete, foi ajustar detalhes do seu jogo. O relógio indicava quase 22h quando o garoto pediu ao pai, Aílton, para acompanhá-lo até a quadra do condomínio onde moram para treinar arremessos, realizar correções, porque ele se sentia desconfortável para o desafio que teria pela frente.

Poucos dias depois do treino particular, algo corriqueiro na vida de pai e filho desde que o garoto escolheu o basquete como caminho, Tiago Marques escreveu o seu nome na história da LDB. Em Pato Branco, no jogo com o ADRM/Maringá, o ala do São Paulo anotou 54 pontos, sendo 44 no segundo tempo, para quebrar o recorde de Lucas Dias de maior pontuação em um único jogo da competição, estabelecido na edição de 2015, com 51, pelo Pinheiros.

Tiago Marques ao lado do pai, Aílton, com o quadro de Lucas Dias, de quem superou o recorde de maior pontuação da história da LDB. Foto: Bruno Barioni

“Eu tive um jogo ruim antes da LDB, contra Franca (derrota por 70 a 49 pelo Campeonato Estadual Sub-20). Todo mundo tem um jogo ruim, eu aprendi isso, mas queria ir bem no próximo. Peguei um exemplo do Stephen Curry, que fez sete pontos e zero de 8 na bola de três em (17 de) dezembro (de 2023, contra o Portland Trail Blazers) e, no jogo seguinte (em 20 de dezembro), anotou 33 pontos (contra o Boston Celtics). Eu tentei me motivar, encaixar o que estava dando errado na quadra, meu pai me ajudou e consegui fazer uma primeira semana da LDB muito boa”, afirmou o garoto de 19 anos, em visita ao escritório da Liga Nacional de Basquete.

+ Confira como foi o jogo do recorde de Tiago Marques

A primeira semana muito boa da LDB, como definiu Tiago Marques, incluiu o jogo do recorde. Foi no dia 25 de junho. A história foi escrita com ajuda dos companheiros do São Paulo. “Tenho essa característica de pontuar, mas eu gosto mesmo de ganhar. Não tive um primeiro tempo tão bom, terminei apenas com 10 pontos. Mas esquentei no terceiro quarto, começou a fluir e o meu técnico, o Dinho, incentivou o time, falando que eu estava quente, que era para tentar me encontrar”, relembrou. “Aí do terceiro para o quarto quarto vimos que podia chegar no recorde. Todo mundo aprovou, incentivou, foi algo maravilhoso e comemoramos muito.”

Tiago Marques revelou outro bastidor do recorde de pontuação na LDB: quem foi o responsável por escrever o número 54 em uma folha de papel para uma foto? O ato se tornou uma tradição no basquete desde o lendário Wilt Chamberlain, que anotou 100 pontos pelo Philadelphia Warriors em uma vitória sobre o New York Knicks, em 2 de março de 1962. Depois disso inúmeros jogadores reproduziram o gesto. “Brinquei falando cadê a folhinha? Cadê a folhinha? Aí quando vi o Calebe (Gonçalves), armador do meu time, estava com uma caneta, escrevendo na própria súmula, o 54 e os dois pontos de exclamação e já estava tirando foto com a folhinha. Foi uma sensação única, igual vemos na NBA. Nunca achei que fosse viver uma situação como essa na minha vida”, afirmou.

O recorde trouxe fama imediata… Pera aí, não foi bem assim. “Não vou falar que virei o Elvis Presley, porque não virei, falta muito para eu ser um cara conhecido. Mas tive um reconhecimento bom”, disse Tiago Marques, rindo. Ele contou uma situação engraçada que viveu quando voltou para São Paulo. “Fui jantar no dia que cheguei de viagem com uns amigos que não encontrava há algum tempo e, sempre que vinha um garçom na mesa, eles falaram ‘conhece esse aqui? Tiago Marques, 54 pontos’ e eu ficava morrendo de vergonha. Mas acabou que algumas pessoas pediram para tirar foto. Fiquei bem realizado.”

O que ainda precisa melhorar?

Mas o basquete não são apenas bons momentos. Tiago Marques sabe muito bem disso. Já foi reprovado em uma peneira de uma equipe tradicional na base, como revelou o pai, porque não era tão atlético quanto outro garoto que estava no mesmo dia. Não à toa, o ala de 1,91m e 84kg, tem realizado um trabalho específico para ganhar massa muscular, com nutricionista, suplementação, além dos treinos com Pedro Botelho, o preparador físico do São Paulo.

“Basquete é um esporte muito físico. Estou trabalhando bastante desde o ano passado essa questão, tenho evoluído bastante e, quando chegar ao ponto que desejo, vai agregar bastante ao meu jogo”, explicou. “Estou sempre querendo melhorar, sempre procuro ir na academia do prédio para reforçar no final de semana, porque hoje isso é muito importante no basquete.”

Para além do aspecto físico, Tiago Marques tem Klay Thompson, que trocou o Golden State Warriors pelo Dallas Mavericks, como espelho. “Tenho alguns motivos para usar o número 11, principalmente o meu pai, mas o Klay Thompson tem uns 10%, 15% nesta escolha. É um jogador que me inspiro muito”, afirmou.

Como disse o jogador, os outros 85%, 90% são do pai. Aílton está muito presente na vida do filho, quase acompanha aos jogos no ginásio. Ele também foi responsável por moldá-lo ao basquete, mas, segundo Tiago Marques, sem pressão nenhuma. “Ele me apresentou diversos esportes. Me incentivou em jogar tênis, futsal, também fiz natação. Me incentivou ao esporte, que eu vejo como fundamental na vida de qualquer pessoa, mas foi pelo basquete que eu me apaixonei. Nunca teve pressão. Sempre conversamos bastante, é algo muito aberto. Ele pergunta se é o que quero? Eu digo que sim e ele está sempre me apoiando.”

 

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Sem pressão para o adulto

Destaque do São Paulo na LDB 2024, Tiago Marques, que participa da segunda etapa da primeira fase a partir desta sexta-feira (12/07), na Gávea, no Rio de Janeiro, não se coloca mais pressão para chegar ao profissional da equipe tricolor, agora sob o comando do técnico Guerrinha. “Estou deixando essa passagem para o adulto de uma maneira muito tranquila. Não quero colocar pressão para não gerar um nervosismo. Vou dar o meu máximo para conseguir virar profissional. É o meu objetivo, minha meta.”

A competitividade para chegar lá vem desde criança. “Sempre fui um cara ganancioso nas coisas boas. Sempre quis o máximo, sempre quis ir bem na escola, sempre fui muito competitivo. A gente ia jogar queimada e eu queria ganhar”, contou Tiago Marques, que também se prepara para o futuro se o basquete, por algum motivo, sair de sua vida. “A única coisa que meus pais não abrem mão é o estudo e sempre me dediquei muito”, finalizou o jogador, que cursa engenharia na Universidade P. Mackenzie. “Sou um cara dos números.”

O número, por enquanto, é o 54. Tiago Marques quer ir muito além do recorde de pontos. “Não vou me colocar limites. Jogar na NBA é um sonho, mas também sempre foi um sonho jogar no NBB, na Europa. O que posso dizer é que vou continuar me dedicando e entregar tudo que eu posso.”

A LDB é uma competição organizada pela Liga Nacional de Basquete (LNB), com patrocínio máster da Caixa Econômica Federal e Loterias Caixas, bola oficial Penalty, parceria do Comitê Brasileiro de Clubes (CBC), EMS, UMP e Genius Sports.