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Fez história

16-10-2017 | 07:11
Por Douglas Carraretto e Vicente Machado

Relatos de um marco histórico no apito brasileiro: árbitro Cristiano Maranho conta vivência inesquecível nas finais do Eurobasket 2017

Cristiano Maranho apitou 9 partidas do Eurobasket, dentre elas a grande final entre Eslovênia e Sérvia (Divulgação/FIBA)

Atravessar o oceano e ir à Europa através de seu próprio esforço é o sonho de qualquer jogador, de qualquer modalidade. Para um árbitro, esse sonho é ainda mais distante, mas, por mais distante que seja, Cristiano Maranho o transformou em realidade e marcou época na arbitragem do basquete brasileiro.

Aos 43 anos, o paranaense de Apucarana foi convocado para apitar o Eurobasket 2017 e contrariou uma política já estabelecida em competições internacionais, tornando-se o primeiro árbitro da América do Sul a apitar o ‘glamouroso’ torneio europeu.

A experiência de Maranho em solo europeu, no entanto, foi além de uma mera participação. Com o passar dos jogos e boas atuações nas partidas, o árbitro brasileiro foi ganhando confiança e chegou até playoffs sob diversas avaliações positivas dos supervisores. No mata-mata, apitou jogos das oitavas, quartas e semifinal, até chegar à grande decisão entre Eslovênia e Sérvia. Ao todo, foram nove jogos.

Antes mesmo do Eurobasket, o experiente árbitro atuou na decisão da Copa Intercontinental 2017 entre Guaros de Lara (VEN) e Iberostar Tenerife (ESP), o que o deu ainda mais visibilidade e confiança para o tradicional torneio europeu.

Árbitro internacional desde 1998, Cristiano Maranho tem em seu currículo três participações na Copa do Mundo (2006, 2010 e 2014) e três em Jogos Olímpicos (2008, 2012 e 2016), além de dois Pan-Americanos (2007 e 2014) e dois Pré-Olímpicos das Américas (2011 e 2015) e um da Ásia (2011).

Em papo exclusivo com o portal da LNB, Maranho deu detalhes de sua experiência no Eurobasket 2017 e abordou diversos assuntos, como a diferença entre os estilos de jogo das Américas e da Europa, trocas de experiências com outros árbitros e sobre o impacto que sua convocação pode ter na arbitragem brasileira.

Confira a entrevista completa com o árbitro Cristiano Maranho:

Você trabalhou em duas competições muito importantes recentemente, o Intercontinental e o Eurobasket. Qual é o sentimento depois de participar destes grandes eventos, com toda essa visibilidade?

Cristiano Maranho – Graças a Deus eu tive a oportunidade de realizar todos os meus sonhos dentro da arbitragem. O Eurobasket é a terceira maior competição do mundo, os melhores times estão na Europa. Pelo o que eu entendi, nunca havia sido chamado árbitros da América. Conseguir chegar à um campeonato como esse e ter a competência e sorte de estar na final, é como uma medalha de ouro. Eu fiquei muito feliz. É o reconhecimento de um trabalho, mas não é fácil. Abdicar da família, das férias para trabalhar, se dedicar, estudar e realizar um sonho. O Intercontinental foi fechar com chave de ouro. Eu já estava no Eurobasket e apareci na escala lá. Não tenho o que falar, só agradecer e treinar mais.

Com toda essa experiência, como é troca de conhecimento com árbitros mais novos?

Cristiano Maranho – A gente troca muitas experiências nos hotéis, em pré-partidas, em pós-partidas. Eu falo muito que o erro faz parte do jogo, a gente não quer errar, não erramos de propósito, temos que minimizar estes erros, mas se ficar se culpando porque se equivocou em uma jogada, não vai conseguir apitar. Então é ficar sempre focado. Eu errei, não posso mais errar outro lance. Se você ficar pensando muito não dá para apitar o jogo. Errou? Coloca o erro nas costas e vamos embora.

Maranho conversando com o pivô grego Boroussis (Divulgação/FIBA)

Qual a principal diferença de uma competição europeia para um árbitro sul-americano?

CM – A intensidade dos jogos. Em um jogo de clube, o jogador vai jogar a partida com 75%, 80% de intensidade e os minutos finais em 100%. Em jogos de Seleções, a intensidade dos atletas é 100%. Os elencos são mais qualificados, então há mais substituições, sempre com os atletas a 100%. Então são 40 minutos com todo mundo a 100% de intensidade. Minha maior dificuldade foi me adaptar a esta intensidade, porque o jogo é muito rápido, os atletas muito altos, velozes. A Eslovênia atuava em uma correria impressionante, a Sérvia mesma coisa. Então este fator foi o principal para mim. Eu me lesionei, tive problemas nas duas coxas, apitei a final com uma contratura na panturrilha nos dois últimos quartos, devido ao volume dos jogos.

Como foram as análises que fizeram sobre seu desempenho?

CM – Uma grande alegria que eu tive lá foram os elogios que recebi. Na segunda fase, tinham muitos avaliadores de arbitragem, eu fui escalado para o jogo entre Turquia e Espanha e foi uma partida muito difícil. Tinham 17 mil pessoas no ginásio, pressão, a primeira falta marcada o banco inteiro da Turquia reclamou. Eu pensei, hoje vai ser difícil. Com o tempo você vai controlando, eu marquei uma falta técnica no treinador, depois uma no banco da Turquia, então eu consegui me sair bem no jogo. Na pós-partida, muita gente me avaliou positivamente, sobre minha autoconfiança, e isso deixa qualquer um muito feliz. Ter feedbacks positivos é fantástico. Quando você vai para um pós-partida, você imagina que irão apontar os erros e como melhorar. Você sai de um jogo difícil, normalmente apontam seus erros e isso é mais uma carga negativa, é difícil você assimilar. Então, receber um feedback positivo te alivia muito. Isso foi algo muito legal.

Quais as experiências que este Eurobasket te proporcionou?

CM – Trocar experiências, conhecer outros árbitros, ver partidas, ver como alguns atletas jogam. Tivemos uma pré-clínica de quatro dias, em que em uma atividade eu tive que fazer scout de um jogo. Uma partida da Eslovênia que eu tive que avaliar os melhores jogadores, as principais características do time, seus pontos fracos, como o time atuava no ataque, como o time atuava na defesa. Um scout completo escrito. Isso te ensina muitas coisas. Conhecer um time antes do jogo te ajuda muito, você sabe como aquela equipe se porta dentro de quadra. Isto é algo que eles estão muito à frente em relação à América. Mas nós estamos ganhando espaço. Sempre vinham árbitros da Europa apitar na América, esse ano não veio nenhum, e exportamos cinco árbitros sul-americanos para apitar lá.

Esse intercâmbio da América para Europa não existia antes, certo?

CM – Nunca existiu, é inédito. É muito gratificante saber que você está no caminho certo. A temporada passada do NBB CAIXA foi muito difícil, com vários Jogos 5, muita pressão, e isso te faz repensar se você está no caminho certo. Então, você ser convocado para um Eurobasket, apitar jogos super importantes, isso te motiva demais para continuar no caminho. Sempre alguém vai ficar triste e outro feliz com a arbitragem, nosso problema é quando os dois times ficam triste, aí temos um problema. Temos que saber disso, vai haver pressão. Isso é competitividade.

Você acha que sua ida ao Eurobasket pode abrir um caminho para mais árbitros sul-americanos e brasileiros irem para lá?

CM – Hoje, eu acho que a América está muito bem representada, com uma nova geração de árbitros muito bons, assim como no Brasil. Nada é impossível. A gente nunca pode pensar que não vai acontecer. Eu fui para um Eurobasket, então tudo é possível. Não podemos limitar os nossos sonhos. O árbitro tem que pensar muito grande. Sempre apitar os melhores jogos, as finais. Se você vai conseguir são outros fatores, mas você precisa dessa motivação, dessa gana para apitar.

“A América está muito bem representada com uma nova geração de árbitros muito bons, assim como no Brasil. Nada é impossível”, disse Maranho (Divulgação/FIBA)