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NBB Caixa

CartaEmocionante

24-06-2019 | 03:23
Por Gustavo Lima

Em texto de autoria própria, Gustavinho relembra momentos especiais de sua carreira como profissional; ex-armador assume cargo de supervisor da equipe sub-19 do Corinthians

Um dos jogadores mais carismáticos que pisou nas quadras do NBB CAIXA, Gustavinho Lima anunciou sua aposentadoria. Após 17 anos de carreira profissional e 201 partidas disputadas no maior campeonato de basquete do país, Gustavinho encerrou sua trajetória como atleta vestindo a camisa do Corinthians e agora será supervisor da equipe sub-19 do clube alvinegro.

Formado nas categorias de base do Pinheiros, Gustavinho disputou nove das 11 temporadas do NBB CAIXA e deixou um grande legado. Seu auge foi vestindo as cores do Mogi das Cruzes/Helbor, onde atuou por quase cinco anos. Ainda teve passagens por Basquete Cearense e Caxias.

Para anunciar sua aposentadoria, o agora ex-jogador escreveu um belo relato contando de maneira descontraída como foi sua correira. Confira na íntegra abaixo:

Sonho de Criança

Quase atingi a maioridade, mas não a maturidade. Após dezessete anos de carreira continuo com a mesma alegria genuína de menino, vivendo a paixão irresponsável, pedindo por mais cinco minutos quando o zelador vem apagar as luzes do ginásio.

Uau, Dezessete!

Como assim parar de jogar? Eu só fiz isso da minha vida. Está no meu corpo, hoje eu sou uma parte basquete, sempre fui o “Gustavinho do basquete”. É difícil dizer adeus, sempre preferi o “tchau”, o “até logo” e até mesmo o “falou, valeu”.

Sabe aquela máxima de que o atleta morre duas vezes, a primeira quando para de jogar? Então, a morte tem sido paciente comigo. Como se jogasse xadrez e esperasse o resultado para saber se me leva. Cada movimento no tabuleiro vem carregado de medo.

O meu coração de gelatina não aguenta o tom de despedidas.

Me recordo da minha iniciação esportiva, na Med Sport, uma baita escolinha em que meninos e meninas atuavam juntos nas aulas, em que não se podia se escolher o esporte praticado. A ideia era passar pelos mais variados esportes, e foi assim desde os meus 5 anos, até a formatura aos 11.

De lá pro Pinheiros a convite do Beco, professor da escolinha que também era técnico no clube. Beco foi meu pai no basquete, e como todo bom pai, vivemos momentos incríveis, vitórias mil, mas sem dúvida fui o que tomava mais broncas dele. E mereci cada uma delas. Como eu já me destacava por ser mais rápido e habilidoso do que a grande maioria, vire e mexe eu achava podia tudo. Sem dúvida, cada momento ajudou não só na minha formação como atleta, mas também como pessoa.

Confesso que cresci.

Aprendi o que é o basquete competitivo nos meus anos de Esporte Clube Pinheiros. Trabalho em equipe, disciplina, aprender a lidar com vitórias, derrotas e trabalhar sob pressão foram sendo inseridos aos poucos na minha bagagem.

A inclusão no esporte acontece de forma direta. As crianças normalmente são mais livres de preconceitos e abertas a conceitos de solidariedade. A aceitação é parte fundamental do esporte. E, no basquete, o cenário é ainda mais interessante. A regra é que o negro é melhor do que o branco. Quase todos os melhores da história são negros. Na minha opinião essa superioridade é basicamente incontestável.

Nos tempos de categoria de base colecionei vitórias, títulos e principalmente

Minha primeira briga por direitos iguais foi aos 18 anos, quando o recém-chegado diretor do clube resolveu que mudaria as formas de pagamento e ficaríamos sem receber nas férias. Tentei sem sucesso convencê-lo do contrário. Então escrevi um manifesto contando com a assinatura de todos os atletas do clube para mostrar força e união na modalidade. A decisão foi revogada e pudemos tomar nosso sorvetinho nas férias.

Sem cortes na Cultura

Uma das maiores dificuldades que enfrentei do esporte foi romper com estereótipos. Com cabelo mais comprido (meio argentino) e barba por fazer enfrentei a desconfiança de muitos treinadores. Pelo fato de frequentar cinemas, teatro e livrarias, achavam que eu era muito “cult” ou intelectual pra ser jogador. Que bobagem! Um dos meus maiores medos sempre foi ser mal compreendido.

Certa vez ao chegar para fazer um treino extra, eu carregava um livro sobre cinema nas mãos. Fui super criticado pelo meu técnico na época, que disse que era perda de tempo e que podia estar lendo algo sobre basquete. Tentei argumentar sobre o valor dos livros de variados estilos. De um possível subversivo, terminei o papo um pouco constrangido dizendo que só lia porque queria aprender diferentes coisas.

 

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Pega esse tubo #dêlivrosdepresente #roadtrip

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Durante as viagens longas para o interior de São Paulo costumava levar filmes para assistir no ônibus, curadoria eclética entre clássicos e novos. Certa vez, aquele mesmo técnico, ao ver Hittler ser queimado no cinema em Bastardos Inglórios veio me perguntar se o filme era baseado em fatos reais.

Laços de família

Tive a sorte de ter uma família que me apoiou muito na decisão de me tornar profissional de basquete. É pouco usual pais incentivarem os filhos ao esporte, à música ou às artes. Enxergo essas áreas como grandes agentes na transformação de uma sociedade, por isso sou eternamente grato ao meu pai e minha mãe por terem me dado todo o suporte necessário.

Sou grato também pela cobrança. Minha mãe ficava louca quando eu perdia um lance livre:” você só faz isso da vida menino, não pode errar”. Com sua simpatia ímpar ficou conhecida nas arquibancadas de todo Brasil. Não importava a distância, lá estava a Dona Glória a torcer pelo seu primogênito.

Meu primeiro ídolo foi meu irmão mais novo. Desprendido, comunicativo e matava muita bola de três. (se bobear, mata mais bola do que eu até hoje). Mesmo sem ter os dedos de uma mão, nunca se fez de vítima e dava baile. Foi campeão paulista invicto no juvenil. Jogamos muito 1×1 e conversamos uma vida sobre o jogo. Hoje, como preparador físico, é quem fazia a minha pré-temporada.

 

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Às vezes antes de responder a uma pergunta, penso no que ela responderia. É difícil perder minha referência, quando essa referência atua em múltiplas esferas. Na moral e ética me ajudou a me tornar um bom profissional e cidadão comprometido. Na esfera pessoal me ajudou a me aproximar e acreditar nas pessoas. Hoje meu irmão é meu maior ídolo, minha casa é rodeada de amigos de verdade, a minha noiva é uma baita companheira com uma família que me acolheu como um dos seus. É provável que minha mãe aprove muitas das minhas decisões, afinal carrego seus ensinamentos no bolso e sempre penso no que ela diria em determinada situação. Não sei muito da vida, mas sei que assim como a minha mãe quero desfrutar com intensidade e me fazer presente mesmo quando não estiver mais aqui. #felizdiadasmães #GlóriaEterna

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O núcleo familiar se expandiu, conheci a mulher que mudou a minha vida. A Aninha, caso antigo de colégio, reapareceu na hora certa com todo seu companheirismo, carinho e paixão. Deu o rumo necessário para eu viver e acreditar no meu sonho de viver de basquete. Me apoiou inclusive quando tive de partir pra jogar em outras cidades, e sempre foi parceria independente da distância.

Trabalho ou diversão

Passei horas de bermuda, regata e tênis. E tem coisa melhor do que esse uniforme de trabalho? Fui muito feliz por todos os clubes em que passei. Treinei muito pra evoluir! Mas a empatia com técnicos me ajudou a ficar tanto tempo em atividade. O Basquete é muito competitivo e, da minha geração 85, menos de 10 atletas jogaram por mais que 5 anos em alto nível.

Like a pro

Da arquibancada, babando como um cachorro que olha para os frangos de padaria, não perdia um treino do adulto. Até que, num belo dia, o técnico Marcel me chamou pra completar um treino. Abusado, fui pra cima e não fiquei intimidado com as trombadas dos “velhos de 33 anos”. O campeão Pan Americano de 87 gostou do que viu e me inscreveu no Campeonato Paulista Adulto de 2001.

Com dezesseis anos eu era o mais jovem inscrito num Campeonato Profissional. Começava aí minha trajetória como jogador profissional de basquetebol.

Alguns anos mais tarde, no primeiro ano de adulto, foi a primeira vez que morei fora da casa da minha mãe. Aos 19 anos, o técnico Alberto Bial simpatizou com minha energia defensiva e coragem dentro de quadra e me deu a titularidade. Eu era o jogador mais novo a ser titular na liga Nacional.

Fui convidado para o Pinheiros em um projeto ambicioso do então diretor João Fernando Rossi. Que fora armador quando mais novo, gostava muito do meu estilo e, segundo ele, queria me dar a oportunidade que ele não teve.
Uma atitude da qual guardo com todo o carinho.

Uma parceria se iniciou entre clube e prefeitura da cidade do ABC e nos tornamos o Pinheiros / Santo André. O novo coach, Luís Carlos Gianini, vulgo Pizza, muito antes dessa revolução das bolas de 3 a lá Golden State Warriors já era um fã e entusiasta dos arremessos de longa distância. Ele me deu uma moral absurda, o time alcançou uma química incrível e obtivermos o melhor ataque do Paulista com mais 92 pontos por jogo. Obtive minhas melhores marcas sob o comando do Pizza, inclusive, no jogo mais louco da minha vida, contra o Guarujá 130 x 128, anotei 42 pontos e 10 assistências.

Nessa volta ao meu clube formador fui muito feliz. Disputamos na cabeça da tabela os principais campeonatos e colecionei bordões e frases geniais do técnico multi campeão Cláudio Mortari.

Após sofrer com lesões acabei perdendo o espaço na equipe.

A convite do Marcelinho Rato, coach com quem já havia sido campeão na base e jogado o JUBS (jogos brasileiros universitários), pude respirar novamente o basquete e sentir o calor de uma torcida vibrando por um time. Foram inúmeras as vezes que Caldeirão Hugo Ramos, palco do Mogi das Cruzes, estava completamente lotado e aterrorizando os adversários. Senti o reconhecimento e recebi o carinho de milhares de torcedores. Época mágica da minha vida, onde fiz amigos para a vida toda, tamanho era o envolvimento da equipe.

Aceitei encabeçar um projeto onde o time se encontrava na segunda divisão e, quatro temporadas depois, jogava a final do campeonato Sul-Americano. Por três anos trabalhei com o melhor coach que já tive. Recém-chegado da Espanha, Paco Garcia nos falou que não falava inglês, tão pouco português, mas que não havia com o que se preocupar, pois falava à língua universal do basquete.

Muito duro, mas muito trabalhador e organizado, elevou o Mogi a outro patamar e me deu o bastão da equipe. Com um time de orçamento modesto, consolidamos de vez o projeto ao chegamos a duas semifinais de NBB. Cravamos nosso nome da memória da cidade.

Comemoração Mogi

Gustavinho cumprimentando a torcida do Mogi

Mais uma vez as lesões me atrapalharam e acabei não renovando meu contrato.

Fui muito bem acolhido no Sul do país. Projeto sério, ginásio lotado, estrutura impecável. Voltei a ter protagonismo no Caxias do Sul, estreante no NBB onde, como capitão, pude liderar o time a alcançar a inédita classificação aos playoffs por um time novato.

Do Sul ao Nordeste.

O basquete realmente proporciona oportunidades sensacionais.
Conheci a Tailândia, o México, a China, a Argentina e o Uruguai, além de diversas cidades pelo Brasil.

Do Rio Grande do Sul fui parar no Ceará. Uma grande chance de viver culturas e povos distintos e crescer através dos diferentes tipos de situações. Senti as raízes de José de Alencar e me deixei contagiar com a alegria do nordestino. O Basquete Cearense foi intenso, onde o ginásio ficava abarrotado para torcer pelo seu Carcará!

Romance com final feliz

Como num roteiro de filme, recebi a proposta para atuar pelo meu time de coração. Depois de muito tempo nas arquibancadas do Pacaembu e, recentemente, da Arena Corinthians, foi de arrepiar ter toda essa euforia da Fiel apoiando o meu time e gritando “é Gustavinho”. Feliz demais pela confiança que o Coach Savignani depositou em mim para que eu liderasse a equipe. Tive a ajuda de um grande mentor, com duas olimpíadas nas costas, que já vestiu a 10 alvinegra. Eduardo Agra me estimulou a agarrar a chance do clube mais brasileiro.

A 10 e a faixa

Nem nos maiores sonhos eu poderia imaginar vestir a 10 e ser capitão do Timão. Ainda por cima levantar a taça de campeão e levar o Corinthians, após 22 anos, de volta à elite do basquetebol brasileiro.

Aquela verve questionadora não cessou em mim e muito me orgulho de ter vestido a camiseta em homenagem a uma das mulheres mais importantes da política, vereadora eleita e defensora de bandeiras fortes, minorias e dos direitos humanos, que fora brutalmente assassinada. QUEM MATOU MARIELLE?

Procurei agir pensando no coletivo por todas as equipes que passei. Muitos diziam que eu posicionava porque não tinha família pra sustentar. O que não é verdade, corri riscos, mas procurei agir de acordo com valores éticos e morais. Lutei pra discordar de Shakespeare “A consciência faz de todos nós covardes”, afinal o que a vida espera da gente é coragem.

Não fui o maior craque, mas sem dúvida fui um dos mais corajosos. Do alto dos meus 1.78 disputei com toda a garra as bolas que pareciam perdidas. Dei raça e amor à camisa por onde passei. Deixarei as quadras, mas certamente não o basquete. Parafraseando Chico Buarque, o basquete ficou no meu corpo feito tatuagem pra me dar coragem de seguir viagem.

Obrigado Basquete, sou loucamente apaixonado por você!

Adeus, Gustavinho.