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POR VOCÊ, MÃE

02-09-2025 | 01:13
Por Gabriel Rocha

Sempre resiliente, João Nickel se mantém constante e é um dos destaques do São José para a Série Ouro da LDB 2025; armador homenageia a falecida mãe dentro e fora das quadras

Resiliência, segundo o dicionário Oxford, tem por definição: qualidade de quem tem capacidade de se recuperar após uma situação caótica, problemática, adversa.

Resiliente é um adjetivo que se encaixa perfeitamente com as características de João Nickel, armador do São José Basketball na LDB 2025. Notado por ser o “motorzinho” e organizador da equipe joseense, que figura entre os oito melhores times da competição sub-22 e disputará a Série Ouro entre os dias 12 e 17 de setembro, o jovem transbordou resiliência para que, em 2025, figurasse como um dos destaques da competição que conta com o apoio do Comitê Brasileiro de Clubes.

Natural de Curitiba (PR), João Victor Nickel Alves dos Santos não precisou de muito para começar a se interessar pelo esporte da bola laranja. Com o pai e o tio praticantes amadores da modalidade, o amor pelo basquete nasceu junto com ele e perdura até os dias atuais. Na escola, a preferência pelo esporte sempre foi clara e não demorou para que a brincadeira se tornasse realidade. Aos 10 anos, o Thalia, um dos principais clubes de basquete do Paraná e participante da LDB 2025, já contava com os serviços de Nickel.

João Nickel em ação pelo São José Basketball na LDB 2025. Foto: Ricardo Bufolin / ECP

Foram cinco anos de destaque no basquete paranaense, até que, em um campeonato com equipes de outros estados, João e seu pai notaram que o nível de dificuldade contra um time de base do estado de São Paulo era mais alto do que contra equipes de qualquer outro estado. Com isso, dessa experiência veio o plano de mudança para terras paulistas em busca de oportunidades em um clube paulistano, seja da capital ou do interior. Todavia, a decisão para a mudança aconteceu em 2020, ano em que o mundo viveu um dos períodos mais difíceis da história da humanidade: a pandemia da covid-19.

Com a mudança interrompida e todos os campeonatos suspensos, o primeiro gesto resiliente de Nickel apareceu: se não havia quadras ou ginásios disponíveis e dentro de casa não era possível praticar o basquetebol, desistir nunca foi uma opção. Por meses, o jovem treinou no quintal apenas “batendo bola”, com foco em melhorar sua habilidade em condução, dribles, ritmo de jogo e velocidade.

“Eu e meu pai planejamos a ida para São Paulo no sub-16. Só que foi bem na época em que teve a pandemia e não conseguimos ir. A minha mãe, naquela época, estava fazendo tratamento de câncer, então, na pandemia, eu era daqueles que não saíam de casa nem para ir ao mercado por causa da saúde dela. Eu ficava no quintal de casa igual a um alucinado, treinando físico, treinando habilidade com bola. Tanto que uma das minhas características que brincam hoje é que eu bato a bola muito baixo e isso eu tenho certeza que foi por causa da pandemia. Eu não tinha um quintal grande para arremessar, então eu ficava batendo bola de um lado para o outro, treinando isso. Foi um dos momentos que eu mais evoluí, por incrível que pareça, para mim fez bem ter vindo a pandemia. Se não tivesse acontecido, talvez eu não teria tido essa evolução grande e não teria nível para chegar no estado de São Paulo”, compartilhou Nickel.

 

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No momento em que as restrições foram sendo flexibilizadas, a ida para São Paulo se concretizou e os testes em clubes paulistas começaram a ser feitos, porém, a maioria deles sem sucesso, porque os elencos já estavam fechados. Com a ajuda do técnico Aldair, que antigamente foi jogador profissional com passagens por Franca, Nickel encontrou o primeiro destino paulista: Cravinhos. Um ano no clube do interior paulista foi o suficiente para que o São José Basketball se interessasse pelo jovem atleta após grande atuação contra uma equipe mais velha joseense nos Jogos Abertos do Interior.

Quando o objetivo parecia concluído, a tão sonhada chegada a uma grande equipe de São Paulo, Nickel precisou se apegar à resiliência pela segunda vez. A triste notícia do falecimento de Fabiane, sua querida mãe, em meio às negociações de contratação, abalou o jovem, que se questionou do árduo caminho que havia traçado até aqui, por muitas vezes longe da mãe.

“Eu fiquei me perguntando: será que o que eu fiz de vir para São Paulo foi certo? Porque eu via a mãe apenas em Curitiba. Lembro de uma vez que liguei para ela e perguntei se não seria melhor voltar para ficar perto dela, e ela sempre me disse que eu deveria continuar em busca do meu sonho. Isso foi muito legal. Foi um momento muito difícil pelo que tinha acabado de acontecer e também pela dificuldade das negociações. No fim, eu e meu pai decidimos seguir nosso coração e fomos para São José”, disse o armador.

Apesar da grande perda, João Nickel transformou a tristeza em motivação e homenageia sua mãe de diferentes formas até os dias atuais. O apelido carinhoso “Fabileine” escrito em todos os tênis usados pelo armador, a manutenção de uma rotina basquete-trabalho-faculdade, visto que Fabiane era professora de matemática, e um hobby de infância incentivado pela mãe que se mantém: os bordados.

”Fabileine”, o apelido carinhoso de Nickel com sua mãe, registrado em todos os tênis do jogador. Foto: Arquivo Pessoal

Além de se destacar nas quadras, João preza pelo futuro, mantém os estudos na faculdade de fisioterapia e o estágio obrigatório em meio aos compromissos com o São José. “Minha família sempre me cobrou isso. Lembro quando eu era menor e tinha começado a jogar, eles falavam: ‘Se não tirar nota boa, não vai jogar’. E aí eu falava: ‘putz, então tem que ir bem na escola’. Minha mãe era professora de matemática. Era duro se eu fosse mal na escola. Mas eu sempre fui muito bem e isso é uma coisa muito importante, porque você trabalha a cabeça de uma forma diferente”, analisou.

E não foi só na dedicação aos estudos que Fabiane incentivou João. Quando criança, o jovem pedia à mãe novos tênis de basquete, e, pelo preço elevado desse tipo de produto, o jovem jogador começou a bordar para sua mãe em troca dos tênis de basquete, hábito que perdura até a atualidade em forma de homenagem.

“Eu falava para ela que gostaria de comprar um tênis e os de basquete sempre foram muito caros. Ela respondia: ‘tudo bem, se você quer comprar, tem que fazer algo para vender’. Como eu a via fazendo artesanato, além das aulas, ela me ensinou a bordar e eu vendia para ela os bordados produzidos por mim. Dividíamos metade do lucro, foi uma coisa bem legal que me ensinou a trabalhar para conseguir as coisas e não receber tudo de mão beijada”, compartilhou.

Antes moeda de troca para os tênis de basquete na infância, os bordados continuam na rotina de João, agora como um hobby especial. Foto: Arquivo Pessoal

A chegada ao São José também demandou de Nickel a tão presente resiliência. Com pouco espaço durante os primeiros anos da equipe, o armador mantinha em mente que deveria fazer o melhor possível em quadra, independentemente dos minutos que recebesse. Para João, sua constância durante os anos foi o que fez ele ir de 2,2 minutos por jogo na LDB 2023 para 27,1 minutos por jogo na LDB 2025, além de se destacar constantemente na categoria sub-20.

“Não importa o que aconteça, se o jogo está pau a pau, se o jogo está com 20 pontos de diferença para nós, se o jogo está 20 pontos de diferença para o adversário, eu vou entrar determinado. Meu pai sempre fala que eu tenho que manter a cabeça erguida e fazer o meu trabalho, que, no momento certo, as coisas vão acontecer. Então o que eu fiz foi um trabalho de resiliência. Vou fazer o meu bem-feito, não importa se é um minuto, dois minutos, 20 minutos, fazendo um bom trabalho, a oportunidade em algum momento vai chegar”, comentou.

E ela chegou. O São José Basketball disputará o troféu da Série Ouro da LDB 2025 com João Nickel entre uma das principais esperanças da equipe. Com 20 anos recém-completados, o armador lidera o time joseense em assistências (6,0 por jogo), além de somar 10,8 pontos por jogo e 14,0 de eficiência. Em um dos melhores duelos da etapa classificatória da competição, o jovem flertou com um triplo-duplo na grande vitória do São José sobre o Sesi Franca, com 17 pontos, seis rebotes, 10 assistências e 23 de eficiência. Motor e organizador da equipe, o armador se espelha no jogo de Kyrie Irving para ditar o ritmo ofensivo da camiseta que veste.

Fora o protagonismo na LDB, João também se vê no início do recebimento de oportunidades de quadra no adulto, visto que o armador participou de todos os jogos do Mr.Moo São José Basketball no Campeonato Paulista, recebendo em média sete minutos de jogo por partida em um dos elencos que mais se reforçou para o NBB CAIXA 2025/26. Portanto, a carreira de um jogador de apenas 20 anos que já começou a receber chances no profissional se mostra em uma crescente – o jovem almeja chegar, em algum momento, a uma equipe de primeira prateleira da Europa, após conseguir se consolidar na elite do basquete brasileiro.

Todos podem sonhar, mas, independentemente do que aconteça, a certeza que João Nickel sempre terá é que sua mãe está orgulhosa dele no céu e, aqui na terra, seu pai continuará como um grande companheiro e amigo, desde as peneiras em São Paulo até o ritual pré-jogo. “A relação com o meu pai sempre foi excelente, ele sempre me motivou muito. Ainda mais quando a minha mãe adoeceu e partiu, eu, meu pai e meu irmão ficamos ainda mais unidos. É impressionante que nunca temos desavença e sempre estamos um apoiando o outro. Um dos meus rituais pré-jogo é ligar para ele, não importa onde ele está, ele atende, nem que seja só para desejar um bom jogo”, finalizou.

+ Tabela de jogos da LDB 2025

A LDB é uma competição organizada pela Liga Nacional de Basquete com patrocínio máster/ da Caixa Econômica e Governo Federal, parceria do Comitê Brasileiro de Clubes (CBC), chancela da Confederação Brasileira de Basketball e patrocínios oficiais Penalty, Universidades Cruzeiro do Sul, UMP, Whirlpool, IMG Arena, Genius Sports, EY e NBA.