HOJE
Memórias dos heróis do Pan-87
Por Liga Nacional de Basquete
Marcel, Guerrinha, Cadum, Paulinho Villas Boas e Pipoka relembram feito e dividem opiniões e sentimentos sobre o que ocorreu no dia 23 de agosto de 1987
INDIANÁPOLIS (Estados Unidos) – Os recortes de jornais foram guardados. Os vídeos estão gravados e, nessa época de compartilhamento constante na internet, foram parar no YouTube. As lembranças daquela final histórica do basquete masculino do Pan-Americano de Indianápolis-1987, em que o Brasil ousou derrotar os EUA dentro da casa dos norte-americanos pela primeira vez em toda a história da modalidade, nunca serão apagadas e estarão sempre à disposição de todas. Imagine então as recordações de quem viveu aquela partida. Essas serão eternas.
São sentimentos distintos. Há aqueles que, mesmo lá no fundo, confiavam em uma vitória. Tem quem só pensava em sair de lá com a cabeça erguida e a honra de quem buscou fazer o máximo. Alguns acreditavam no trabalho coletivo para, como disse Marcel, vencer o invencível.
E quando isso passou a virar realidade, as sensações eram as mais variadas. Alegria, choro, orgulho, êxtase. Talvez não seja possível apontar com exatidão o que levou o Brasil àquela vitória. Alguns tentam explicar, outros nem procuram tentar fazer isso. O que importa e ficou na história é que a Seleção Brasileira saiu de quadra no fim como vencedora. Mas os jogadores ainda não tinham noção do feito que tinham alcançado. Seria preciso passar um bom tempo para que eles avaliassem o tamanho daquele resultado.
Depois de 25 anos, as lembranças continuam frescas nas memórias dos herois do Pan-87. E é isso que o ala Marcel, o armador Guerrinha, o armador Cadum, o ala Paulinho Villas Boas e o pivô Pipoka contam aqui.
“Depois daquele dia, passei a acreditar que posso fazer qualquer coisa na vida”
“A verdade é que eu estava morrendo de medo de tomarmos uma porrada deles, uma derrota de 50 pontos. Todo mundo tinha essa sensação. O único que acreditava na nossa vitória era o José Medalha (assistente-técnico do Brasil na época). Os EUA sempre levavam os melhores jogadores que não eram profissionais. Eles sempre eram os melhores. Chegamos no primeiro tempo e perdemos só por 14 pontos. O segundo tempo não começou bem, eles ficaram 24 pontos à frente. Pensei: “Ih, agora vem o ferro”. Então era hora de bater e intimidar. Foi o que fizemos. E eles entraram nessa provocação. Apesar de tudo, nós éramos mais experientes. Foi aí que eles passaram a errar muitos arremessos e nós, ao contrário, acertávamos.Também errávamos, mas tínhamos os pivôs lá dentro do garrafão para pegar os rebotes. Eu e o Oscar tínhamos liberdade para arremessarmos. Quando percebemos estávamos oito pontos na frente deles. Não é uma vantagem muito grande, mas víamos nas caras deles que eles sentiam que poderiam perder o jogo. Eles imaginavam que naquela hora era para estar uns 40 pontos a mais para os EUA. Esse jogo mudou a minha vida. Nós lutamos contra o impossível e vencemos o invencível. Depois daquele dia, eu passei a acreditar que posso fazer qualquer coisa na vida. Não posso mais falar que não dá pra fazer alguma coisa, porque dá.” – Marcel
“Costumo comemorar isso como um feito, o sucesso de uma geração”
“Foi maravilhoso, até hoje estamos curtindo. É engraçado, depois daquele dia, foram dez temporadas como jogador e 15 como técnico, mas o tempo passou muito rápido, nem deu para perceber. Após aquela conquista, naquela hora, a gente não conseguia ter muita noção do que representava aquele feito, mas sabíamos que iríamos descobrir essa importância mais para a frente, com o passar do tempo. Só para ter noção do tamanho daquela vitória, eles não tinham o hino nacional no ginásio, que estava no estádio de futebol, onde era mais esperada uma vitória do Brasil. Esperamos muito tempo. Não sou muito ligado a datas. Eu costumo encontrar meus antigos colegas e comemorar isso como um feito, como o sucesso de uma geração. Conseguimos conquistar o ouro com um grupo de amigos que tinha um sonho em comum.” – Guerrinha
“Mudamos o basquete brasileiro”
“Sinceramente, não sei se alguém vai conseguir responder o que aconteceu com o nosso time. Eu não sei qual foi a faísca para o início daquilo tudo. Assim como todos, eu não tinha a mínima noção do que havíamos feito. Era o melhor time dos EUA possível para aquela disputa, vindo do basquete universitário, com atletas que depois foram parar na NBA. A gente só passou a ter ideia do nosso feito com o passar dos dias, dos meses, quando íamos jantar, quando chegamos na Vila Pan-Americana, quando voltamos ao Brasil. Ainda hoje eu tenho dúvidas de como conseguimos fazer isso. E não parece que se passaram 25 anos. A impressão é de que o jogo foi semana passada, que acabamos de chegar do Pan. O negócio está vivo na mente de todos. Eu sempre me lembro dessa data quando chega o mês de agosto, quando se aproxima desse dia. Costumo conversar com meus companheiros daquele time, lembrar que faz 23, 24 anos de que estávamos entrando naquela quadra. Não tenho dúvidas de que mudamos o basquete brasileiro. Foi a maior conquista da minha geração, com certeza.” – Cadum
“Essa conquista não caiu de para quedas”
“Tinham fatores muito importantes na minha vida e na dos jogadores naquele jogo. Eu nunca fiz previsões antes de jogos. Nunca achei que os EUA fossem imbatíveis, nem que nós venceríamos. Fizemos muitos jogos até chegar naquele dia. Quando chegamos àquela final, o time estava preparado para jogar bem, correr, saltar e ganhar. Estávamos confiantes. Nós merecíamos e merecemos a vitória, essa conquista não caiu de para quedas. Eu me sinto satisfeito e orgulhoso por toda a evolução demonstrada pelo basquete, mundial e nacional, nesses 25 anos. A nossa geração deu um start nesse desenvolvimento, você vê mais atletas surgindo, partindo para experiências fora do país. É legal saber que você, seja direta ou indiretamente, abriu portas para que outras pessoas sigam o mesmo caminho. Todos têm qualidades e defeitos. Para chegar a vitórias e conquistas, é preciso somar essas qualidades e tentar minimizar ao máximo os defeitos. Era o que aquele grupo fazia.” – Paulinho Villas Boas
“Esse ouro foi a nossa recompensa pelo grupo que formamos”
“Ganhamos, mas eu não participei da festa de comemoração no vestiário, porque fui chamado para o doping. A minha ficha só começou a cair quando eu liguei para a minha casa muito tempo depois, naquela época não tinha celular, computador, essas coisas. Quando liguei para a minha mãe, estava todo mundo rouco de tanto gritar, uma balbúrdia, buzinaço nas ruas. Eu nem achava que o povo iria ficar vendo o jogo até o fim, ainda mais com os EUA ganhando no primeiro tempo. Outro momento que me fez cair ainda mais a ficha foi na volta. Fizemos escala em Nova Iorque e vimos uma foto do Marcel comemorando na primeira página do New York Times. O comandante do avião da Varig que nos levou de volta para o Brasil nos deu parabéns. Aí nós vimos a importância daquela vitória. Quando falam comigo, fico com um sorriso no canto do lábio. Isso fica guardado na minha memória, compartilho com meus amigos. Eu fico muito orgulhoso de ter feito parte desse grupo, que foi feito na base da amizade. Cada um sabia o seu lugar na equipe. Cada chute é um chute, dizíamos. Tinham aqueles que tocavam o piano e aqueles que carregavam. Mas todo mundo encarava isso numa boa. Por isso, esse ouro foi a nossa recompensa pelo grupo que formamos. Adoro reencontrar todo mundo. Temos uma amizade que vai ficar para sempre.” – Pipoka