PRANCHETA DO GUSTAVINHO - No calor do momento

“Eu me arrependo de muitas coisas. Eu ferrei a minha vida” diz a cena de abertura do “The Last Chance U”. Misto de documentário e reality show, a série produzida pelo NETFLIX invade a intimidade de um time americano de basquete no Junior College (Juco) em Los Angeles. No “Juco” os jogadores estão tentando dar o passo adiante na carreira. Seja com uma bolsa de estudos em um College ou uma vaga em um time profissional.

A semelhança com a Liga de Desenvolvimento não para por aí. Na tentativa de se firmar como um jogador adulto, os jovens têm que aprender a lidar com as suas emoções dentro e fora das quadras.

“Eu deveria poder ajudar a minha família a muito tempo, mas eu estou aqui. Eu queria ter feito muitas coisas diferentes” continua com o desabafo, Joe Hampton pivô dos EAST LA COLLEGE retratado na série.

A segunda fase da LDB voltou a pegar fogo, com recordes e invencibilidades quebradas.
Estive nas sedes nos ginásios dos clubes Pinheiros e Paulistano para além de avaliar os jogos, poder observar as reações, a química, a linguagem corporal dos jogadores, técnicos e árbitros.

De cara me encantei com o poder de fogo da equipe do São Paulo. Com mais tempo para treinar, a equipe tricolor comandada pelo treinador Dinho demonstrou melhor entrosamento e jogou um basquete envolvente. Mataram 54 bolas de três pontos nos últimos quatro jogos. Não se deram por satisfeitos após quebrarem o recorde da LDB com 20 acertos de longa distância (incríveis 17 da dupla Pedro com 8 e Colina com 9) contra Brasília e, ainda mataram 13 e 12 e 9 arremessos triplos para garantir importantes vitórias contra adversários diretos, Praia Clube, Minas e Flamengo respectivamente e selar a classificação para fase final.

Pedro, do São Paulo (Deco Pires/LNB)

Outro time vibrante e que continua pregando um jogo coletivo é o São José dos Campos.
O resultado pode ser visto dentro de quadra com jogadores trocando muitos passes e sempre procurando o melhor companheiro para definir. Dirigido por Chris Ahmed, a “Águia” vem jogando “redondinho”. É de longe a primeira em assistências na competição (23,4) e também líder de pontuação (84.9 ppj). Possui um dos melhores garrafões da LDB com a dupla Serjão e Fidélis, e várias boas opções nas alas. Vitinho, Pedro e Gregate são verdadeiros competidores tanto no ataque quanto na defesa e vem deixando tudo em quadra.

A química é facilmente identificada quando se há bons resultados. Mas não é só nessas horas que há de se ter uma linguagem corporal adequada.

Serjão, do São José (Deco Pires/LNB)

“O bom jogador é o que se recupera durante o jogo” ouvi do meu treinador, o lendário e vitorioso Savério Teófilo na época em que era juvenil no Esporte Clube Pinheiros.
Não adianta reclamar e gesticular após o erro. O importante é focar na próxima melhor ação!

A equipe do Cerrado/Assel tem um bom time, porém, vem alternando bons e maus resultados. Quem vem mantendo a regularidade é Ruan. Tem médias de 19,3 pts e 11,2 rebotes e diante do Franca fez jus ao apelido “Ruantetokounmpo” flertando com um triple-double, marcou 32 pontos, 14 rebotes e 8 assistências, somando 51 de eficiência, o maior índice da competição até o momento.

Ruan, do Cerrado (Deco Pires/LNB)

A famosa “lei do ex” apareceu nessa LDB. O ala-pivô Emanuel foi campeão pelo Pinheiros na temporada passada e no primeiro jogo contra o antigo time foi “o cara” da partida. Usando agora a 22 do Mengão anotou um duplo-duplo expressivo, 14 pontos e 14 rebotes, sendo 10 pontos no último período, pondo fim a incrível invencibilidade pinheirense de 51 jogos. Mesmo com a derrota, o Pinheiros garantiu sua classificação em primeiro do grupo A.

Emanuel, do Flamengo (Deco Pires/LNB)

Quem também conheceu as primeiras derrotas na competição foi o Praia Clube. Depois de 4 jogos invictos jogando em casa em Uberlândia, teve mais dificuldades nos jogos em São Paulo. Apesar dos reveses, a equipe dirigida por Daniel Wattfy joga um bom basquete. Principalmente o armador Ale que possui excelente ritmo e leitura de jogo.

O único invicto ainda na LDB é o Paulistano! O time alvirrubro não vem tomando conhecimento dos adversários e com exceção da estreia ganhou quase todos os jogos por mais de 20 pontos de diferença. O técnico Betão vem abusando das rotações no plantel e a cada jogo aparece um novo destaque.

André, do Paulistano (Deco Pires/LNB)

O basquete é um jogo de erros. Se você já arremessou uma bola de basquete sabe que provavelmente você vai errar mais que acertar. O importante é continuar tentando.
Aí que a linguagem corporal pode fazer a diferença. Quem são os companheiros que te dão a mão quando você erra? É fundamental o apoio e incentivo aos parceiros de time, principalmente após uma falha.

Nesse aspecto é bom fazer a lição de casa e se atentar a sua postura nos momentos críticos de uma partida. Qual a sua reação quando você passa a bola e seu companheiro não consegue dominar? Ou quando seu treinador te tira do jogo, você cumprimenta quem está entrando, torce e vibra mesmo estando no banco? Ou quando o árbitro apita uma falta ou violação da sua equipe, qual é a sua postura?

É aí que volto ao “The Last Chance U”. A série tem o mérito de mostrar com veracidade as cenas de treino e jogo e captar as emoções dos jogadores. Não há como fingir os sentimentos e a essência do pivô Joe Hampton é facilmente identificada. Um baita jogador, cotado entre os melhores prospectos para o Draft da NBA mas com equilíbrio emocional zero. É o melhor jogador do time, mas pela falta de postura de equipe e temperamento explosivo com árbitros e adversários, o coach John Mosley é obrigado a deixá-lo entre os reservas.

À beira da quadra pude observar alguns exemplos de maus comportamentos nesses aspectos nessa etapa de LDB. Jogadores reclamando de substituição, treinadores contestando marcações da arbitragem de maneira acintosa e atletas com uma clara linguagem corporal negativa após um arremesso ou passe errado.

Não estou aqui para apontar o dedo e sim para gerar reflexão! Gosto de olhar o copo meio cheio e foram vários os exemplos de excelente postura independente do resultado.

Fico aqui primeiramente com a Unifacisa. O projeto da equipe de Campina Grande me brilha os olhos. Formado a menos de 5 anos, já conseguiu ficar entre os 6 melhores no NBB na última temporada e agora pela primeira vez monta um time para a Liga de Desenvolvimento. Focado em promover o basquete na região nordestina, contratou jogadores das cidades de João Pessoa, Cabedelo, Maceió, Recife, além de Campina Grande, sede do time. Faz um bom trabalho lançando uma comissão formada por treinadores da nova geração da Paraíba. Sem se importar com os resultados, venceu somente uma partida na competição, porém sem abrir mão de jogar forte e competir em todos os jogos. O destaque do time é o habilidoso armador Lucas que é o líder da equipe paraibana em pontos, rebotes e assistências.

Na língua do basquete, pode-se dizer que um time é bem treinado quando se tem a cara do técnico. Fabio Pellanda pode se orgulhar pois o Coritiba Monsters demonstra a mesma disciplina e superação características do treinador em quadra.

Com ótima postura, me chama a atenção também a dupla Lelê e Ziggy de Mogi das Cruzes. Lelê está comendo a bola e já tem três jogos com mais de 30 pontos nesta edição. Ziggy é a cabeça pensante da equipe. Dá pra ver que a oportunidade de treinar na equipe principal ao lado de Magic Fúlvio e Lessa fez bem demais para o armador. Organizando o time, é o melhor passador da LDB com 8,1 apj. Além dos números, a dupla se destaca pela sintonia com o grupo. Sempre ativos, elogiando seus companheiros, são dois caras que sabem o que é jogar pro time.

Lelê Moura, do Mogi (Deco Pires/LNB)

“O basquete ensina caráter?”. Indaga o coach John Mosley na série.

“Não necessariamente, mas o basquete revela o caráter!” completa o treinador.

Uma das funções da Liga de Desenvolvimento de Basquete é dar a oportunidade do amadurecimento dos atletas e nada melhor do que situações de pressão e os jogos em que o atleta pode se provar dia após dia.

A série “The Last Chance U” é cirúrgica em contar quem vai conseguir dar o passo adiante na carreira. Em determinado momento da narrativa vem o questionamento do coach John Mosley, crucial para se firmar como um profissional e que serve direitinho para a LDB:

“No calor do momento quem você é numa quadra de basquete?”