HOJE
Prancheta do Gustavinho - Nós na frente do eu
Por Gustavinho Lima
A Prancheta do Gustavinho traz aqui um relato sobre a conquista do segundo título do Sesi/Franca na Copa Super 8; Confira bate-papo com o comandante francano Helinho Garcia sobre o sabor dessa vitória em um Pedrocão lotado
Uma das grandes dificuldades de um treinador é garantir que o grupo continue motivado após conseguir atingir o topo. Não é fácil manter o time unido e focado em evoluir após tantos resultados positivos. Helinho vem conseguindo algo raro e que merece reconhecimento. Ele tem nas mãos uma equipe que mantém a mentalidade vencedora e sabe dividir o protagonismo. Vencendo mais um caneco jogando em casa, o treinador nascido e criado na capital do basquete falou da jornada para o título.
Qual era o plano de jogo inicial para tentar baixar a pontuação do Flamengo? Que acabou funcionando, deixando o Fla com 65 pontos.
A gente tinha como foco muito grande diminuir o volume de jogo deles, tendo a garantia do nosso rebote de defesa. O Flamengo tem uma grande característica no rebote de ataque então era importante baixar isso e também, é claro, minimizar o volume de jogadores importantes tendo uma defesa consistente. Houve momentos em que eles tiveram mérito em conseguir um volume maior, mas a nossa equipe soube se controlar e voltar a ditar o ritmo da partida e vencer um jogo que foi duríssimo. Conseguimos nos impor defensivamente e deixar uma equipe forte como o Flamengo em 65 pontos foi muito importante para nossa conquista.
DJ foi eleito MVP. O Franca tem muitas peças que podem ser decisivas. Como conseguir fazer com que os jogadores dividam esse protagonismo?
O principal mérito da equipe é a gente entender que o “nós está na frente do eu”. Independentemente de quem vai fazer o ponto ou a bola, se a gente jogar um pro outro naturalmente vamos estar jogando para nós mesmos. Então, se a equipe mantém essa mentalidade ela consegue dividir bem o volume de jogo. Dentro das características individuais de cada um e dos conceitos, naturalmente surgem opções que a gente possa definir com qualquer uma das peças que temos. E é assim nas grandes equipes como o próprio Flamengo, Minas, Bauru e como tantas outras, podendo-se dividir o volume e explorar melhor o jogo para sair com a vitória. Fundamentalmente, é pensarmos sempre em “nós antes do eu”!
Qual seu sentimento de jogar em casa e vencer mais troféu ao lado de uma torcida apaixonada como a Franca?
Jogar e ganhar e ganhar um título ao lado da nossa torcida traz um sentimento muito especial porque as pessoas vivenciam o nosso dia a dia. A gente fica muito feliz de poder vencer e comemorar mais um título ao lado dessa torcida apaixonada.
A capital do basquete em festa
A cidade que respira basquete amanheceu no sábado 28/1 em clima de final.
As calçadas já estavam uniformizadas. O torcedor francano roxo trajando suas regatas vermelhas e brancas eram vistos aos montes nas ruas, em um clima misto de ansiedade e confiança. Ansiedade sim, pois era dia de decisão da Copa Super 8 e o vencedor garantiria vaga na BCLA (Basketball Champions League). Confiança, pois além de ser o atual campeão do NBB, Franca é também o líder da temporada, o que lhe concede o mando de quadra na final. Rojões eram lançados no ar antecipando o que seria mais um dia feliz para moradores da capital do basquete.
Sesi/Franca contra Flamengo, o maior clássico do basquete brasileiro nos últimos anos.
O rubro negro, vice líder no NBB, tentava repetir o feito de 2019 quando frustrou a festa local e bateu o Franca saindo com a taça da Copa Super 8 rumo ao Rio de Janeiro.
Meia hora antes de a bola subir, as arquibancadas do Ginásio Pedrocão já estavam tomadas por fanáticos. Não tem como não se emocionar com o canto da torcida francana. Quem nasce na cidade tem o DNA do basquete e sabe bem como empurrar o seu time e desestabilizar o adversário.
Os gritos eram alternados, ora de apoio ao time de coração, dirigido por Helinho Garcia, ora para azucrinar o time rival comandado por Gustavinho De Conti. O técnico do Flamengo, aliás, era o principal alvo de provocações.
Acostumado a decisões em Franca, Gustavinho tem um retrospecto vitorioso que chama atenção e justifica as “homenagens” vindas das arquibancadas. Venceu duas finais em pleno Pedrocão: uma de NBB (pelo CAP) e uma de Copa Super 8 (pelo Flamengo). Era só o comandante pintar na boca do túnel dos vestiários que as vaias ganham outro nível de intensidade.
Na decisão do NBB em 2021/22, para delírio francano, o time da casa bateu o Flamengo e o treinador foi ainda mais hostilizado.
Um olhar detalhado sobre o que aconteceu em quadra
A atmosfera do Pedrocão era contagiante, mesmo antes do pulo-bola.
Os 4 mil ingressos haviam esgotado nas bilheterias. Quem não pode entrar no Templo do basquete, certamente estava diante da tela ou do rádio, acompanhando o time do coração.
Pensando em segurar o ímpeto no rebote ofensivo da equipe do Flamengo, o treinador Helinho Garcia trouxe um quinteto inicial com Jonathan Luz no lugar de Scala além do Quarteto Fantástico. Sim, não dá mais pra ser “Big Three”: agora é “Quarteto Fantástico”! Georginho, Lucas Dias, Lucas Mariano e David Jackson fizeram dígitos duplos em todos os jogos da Copa Super 8. Já haviam anotado 63 dos 83 pontos contra Bauru, 60 dos 82 contra o Corinthians (e fariam incríveis 63 dos 76 da final). Do outro lado, Gustavinho repetiu o time titular pelo terceiro jogo consecutivo pela primeira vez na temporada.
O Flamengo teve alto volume e baixo aproveitamento nos 3 pontos (3/10) no início do confronto. Os bons momentos partiram da canhota de Vildoza. Sendo agressivo, rompendo e passando a bola para fora para arremessos livres, o base argentino pontuou ou deu assistência em 11 dos 15 pontos do Flamengo no primeiro quarto.
O Franca, depois de um início tenso, explorou o jogo no poste baixo e conseguiu a dianteira no placar. Ofensivamente soube atacar o mexicano Martinez. A melhor forma de agredir um chutador como Martinez é o obrigando a se desgastar na defesa. Ora David Jackson o punia jogando de costas pra cesta, ora Scala o “machucava” se movimentando para matar bola de fora (19×15).
Ter Georginho na posição 1 é um grande fator de desequilíbrio. O líder de eficiência do NBB tem muita facilidade para criar vantagens e do outro lado da quadra tem capacidade de defender jogadores de qualquer posição. Ciente dessa condição, a comissão técnica de Franca escolheu uma defesa com trocas nas jogadas de “pick and roll”.
Como esperado, Georginho não sofreu prejuízo no poste baixo e os homens grandes, principalmente Lucas Mariano, sustentaram bem o 1 contra 1. O pivô se manteve em posição firme e foi batido poucas vezes. Quando os atacantes conseguiram entrar no garrafão, Lucas Dias e Márcio fecharam a porta com três tocos importantes.
Franca foi consistente defensivamente, mas também se valeu da falta de criatividade do Flamengo. Buscando criar desequilíbrio a partir das trocas, apostaram no talento individual de seus jogadores mas acabaram chutando muitas bolas de três contestadas, resultando num baixíssimo aproveitamento de 4/20 no primeiro tempo.
Franca abriu 9 pontos de diferença. Georginho quebrou muito a defesa e distribuiu o jogo. Lucão e Lucas Dias demonstraram todo seu repertório matando bolas de três e finalizando próximo ao aro.
É característica dos times dirigidos por Gustavo De Conti o alto volume de bolas de 3 pontos. E na volta do intervalo sua equipe continuou com a mesma estratégia. Atacar os grandes no 1×1. Cuello voltou quente e matou 3 em 4 tentativas. O Mengão produziu no ataque, mas continuou com muitas dificuldades para defender, principalmente David Jackson e Lucão.
No último quarto, a torcida continuou a empurrar o Franca. O Flamengo, sempre contando com os consistentes Rafael Mineiro e Gabriel Jaú, endureceu o jogo defensivamente mas faltou melhores escolhas no ataque (apenas uma assistência e 11 pontos no derradeiro quarto).
O Big Three representou. Lucas Mariano foi o cestinha com 19 pontos. Lucas Dias 13 e 8 rebotes, Georginho 10 pontos, 6 rebotes e 8 assistências. Mas outros personagens tiveram contribuição direta no resultado final (76×65). O “nós na frente do eu” ressaltado pelo coach Helinho Garcia foi determinante.
A estratégia da comissão técnica francana em minimizar as segundas chances deu certo. O Flamengo ficou abaixo da sua média e pegou somente 11 rebotes ofensivos. Jhonathan Luz pegou dois rebotes de ataque importantíssimos nos minutos finais. Scala teve seu momentoso fim e matou uma bola de três de muito longe sendo contestado por Gui Deodato para decretar o fim do confronto.
Herói silencioso
Por vezes, o norte americano sofre críticas por seu estilo low profile (discreto). Não costuma falar muito e nem se envolver em polêmicas. Aos 40 anos, David Jackson esbanja vitalidade. Há quem ache que ele poderia ter mais volume de jogo, se arriscar mais. Mas pra que? DJ sempre está pronto e quase não erra. É um dos poucos jogadores na história do basquete nacional a ter um 90/50/40 (nas porcentagens de arremesso). Nas 10 temporadas do NBB, ele tem médias 91% LL, 59 % de 2 pontos, 46% de três pontos.
E nesta finalíssima foi “o cara” do jogo! Jackson foi clutch, terminando o jogo com 21 pontos e 7 rebotes. O herói silencioso sabe ser coadjuvante mas sabe também a hora de se transformar num Super Star (olha o Quarteto Fantástico aí).
Eleito MVP da Copa Super 8 com médias 15,6 ppj, 5 apj, 21 de eficiência, DJ ouviu seu nome ser gritado com muita euforia pelo torcedor francano do Pedrocão e manteve seu sorriso econômico, sem se exaltar pronto para mais uma vitória enquanto as arquibancadas iam a loucura.
“Muito mais que um vício
Muito mais que amor
Aqui é Franca Basquete
O rolo compressor
Ooooooo”
Das ruas na capital do basquete, os restantes dos rojões eram estourados. Os gritos de guerra estavam na boca do povo que cantava como se não houvesse amanhã. Mas houve e quando acordaram o Franca tinha uma vaga garantida na BCLA e ainda por cima estava invicto no NBB.