A Leila do Basquete

Quando Priscilla Castro, presidente da Associação Amigos do Basquete de Joinville, entrou na sala para participar da primeira reunião para tratar da Liga Ouro 2026, logo percebeu que era a única mulher entre os representantes das equipes interessadas na disputa da Divisão de Acesso ao NBB CAIXA. O ambiente, majoritariamente masculino, observava-a com curiosidade e expectativa.

“Quando cheguei na reunião da Liga Ouro, vi os olhares dos homens que lá estavam e me perguntei: você está pronta para enfrentá-los? Eu digo: eles estão preparados para me enfrentar? Ser a única mulher me traz a certeza de ser valorizada e respeitada, pois fui indicada e escolhida por homens para que eu assumisse o cargo. Isso mostra que a minha trajetória até aqui está sendo reconhecida”, afirmou Priscilla Castro, com a serenidade e firmeza de quem já aprendeu a transformar desafios em força.

Priscilla Castro durante visita à sede da Liga Nacional de Basquete, onde participou da reunião da Liga Ouro. Foto: Arquivo Pessoal

À frente da Associação Amigos do Basquete de Joinville, Priscilla sabe que ocupa um espaço historicamente reservado aos homens e não foge da responsabilidade de representar outras mulheres que sonham em liderar dentro do esporte.

“Realmente é um cargo que por anos foi ocupado por homens, mas, como em muitos setores, as mulheres estão começando a ganhar o seu espaço. No esporte isso também tem mudado. Claro que para os homens receber ordem de uma mulher não é fácil. Eu já passei por isso numa sociedade em que era 50/50, mas eu não podia ter voz ativa por causa do ego e do machismo. Mas a equipe que estou formando me respeita enquanto mulher e também na minha posição hierárquica, o que facilita muito o comando.”

A relação de Priscilla com o basquete é profunda e afetiva. Desde criança, ela acompanhava a tia Dóris Castro, mesária internacional desde 1985 e figura icônica do basquete em Joinville. “Ela me carregava em todos os jogos aqui em Joinville. Eu era aquela torcedora fanática até meu primo, hoje árbitro, ser atleta de base do Basquete Joinville.”

A tia de Priscilla, Dóris Castro, mesária internacional, foi quem lhe apresentou o basquete. Foto: Arquivo Pessoal

O destino, no entanto, a empurrou de vez para dentro do esporte. Em 2021, após o falecimento da tia, Priscilla foi convidada a assumir a presidência da Liga Norte de Basketball, filiada à Federação Catarinense de Basketball. “Fui empurrada, digamos assim”, brincou. Pouco tempo depois, recebeu o convite do então presidente da FCB, Fábio Deschamps (atual vice-presidente da CBB), para continuar à frente da Liga. “Comecei a me envolver mais com o basquete, mas sabia que precisava fazer algo diferente para a nossa cidade, que por tanto tempo foi referência nacional no esporte.”

Essa inquietação resultou em um dos momentos mais marcantes da nova fase do basquete joinvilense: a realização do All Star Game Joinville, em junho deste ano. “Muitos diziam que eu estava louca, tive várias portas fechadas e milhares de ‘nãos’. Mas com o apoio e auxílio do Renato Scholz e do Thiago Pinotti, que acreditaram na minha ideia, conseguimos resgatar a história e a cultura do basquete. Ver cerca de 400 crianças sorrindo, pulando e admirando os atletas foi sensacional e emocionante”, disse, referindo-se ao evento que aconteceu no Complexo Centreventos Cau Hansen e reuniu diversas figuras com história no basquete de Joinville.

O sucesso do evento reacendeu o orgulho da cidade e abriu novos caminhos. “Com a empolgação do (Alberto) Bial, que esteve presente, surgiu a oportunidade de assumir o clube, que naquele ano estava com as atividades pausadas. E como dizem: eu sou ‘maluca’. Eu digo que tenho coragem. Vesti a camisa e cá estou, assumindo o clube.”

Mas, antes de pensar em time e resultados, Priscilla colocou o foco em algo maior: o impacto social. Sob sua liderança, nasceu o projeto Movimenta Basquete, que leva o esporte às escolas públicas e comunidades de Joinville. “Levamos o basquete às escolas da periferia, às instituições que atendem crianças em vulnerabilidade. Tem sido uma experiência incrível, não só para elas, mas para nós. A alegria e a admiração com que nos recebem não têm preço.”

O All Star Game Joinville, evento realizado por Priscilla, que foi um sucesso, e abriu muitas portas. Foto: Arquivo Pessoal

Entre suas referências está Leila Pereira, presidente do Palmeiras, figura central no cenário esportivo nacional. “A Leila Pereira com certeza é uma referência. A nossa diferença é só o aporte financeiro. Admiro sua coragem e resiliência em enfrentar seus concorrentes. Muitos não acreditavam nela, e olha só onde ela chegou! Eu chegarei lá… Estou pronta!”, diz Priscilla, com o mesmo brilho nos olhos de quem carrega propósito no que faz.

Com coragem, empatia e propósito, Priscilla escreve uma nova página na história do basquete joinvilense, uma história que fala de resistência, de inclusão e de amor genuíno pelo jogo. A reunião em que se viu como única mulher foi apenas o primeiro passo. Agora, ela busca investimento para viabilizar a participação da Associação Amigos do Basquete de Joinville na Liga Ouro.

E se há uma certeza que ela carrega, é a de que não está apenas liderando um time: está inspirando uma geração inteira a acreditar que o lugar das mulheres também é dentro da quadra, na linha de frente e no comando.