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Pai de basquete

11-08-2024 | 04:00
Por Juvenal Dias

Super Basquetebol Social foi bicampeão de basquete juvenil masculino nos Jogos Escolares do Amazonas, com o pai Renato Almeida como grande tutor do basquete na região de Tefé

Nesse dia dos pais, uma das histórias que a Liga Nacional de Basquete traz não é dos principais times do país, mas sim de um pai do basquete em Tefé, um pequeno município no interior do Amazonas. Na verdade, é uma continuação do primeiro capítulo contado em 2022 pela LNB. Mas agora, o foco é em Renato Almeida, pai do Super Basquetebol Social, o projeto social que consagrou o time da cidade bicampeão dos Jogos Escolares Amazonense, superando times de Manaus, dificuldades de treinamentos e que tem espalhado a cultura do esporte em comunidades vizinhas.

Renato Almeida e seus pupilos campeões dos Jogos Estaduais com o time de Tefé. Foto: Divulgação

Em 2022, os primeiros resultados esportivos afloraram de um projeto que começou em 2014 e o time do Super Basquete Social foi campeão pela primeira vez dos Jogos Escolares do estado. O time é de Tefé, município que fica cerca de 500 quilômetros distante de Manaus e possui uma população de 60 mil habitantes. Em 2024, o feito voltou a se repetir e o time masculino juvenil acaba de se sagrar bicampeão do mesmo torneio disputado na capital. E a história vai se ampliando com o time feminino também disputando a competição e a continuidade vem com o time infantil.

Tudo isso porque o professor de educação física Renato Almeida, que mudou-se do Rio de Janeiro em 2011 e criou o projeto há dez anos. Renato tem o basquete como seu parceiro desde os 13 anos, quando começou a praticar. Chegou a fazer escolinha no Flamengo e jogou em clube da Baixada Fluminense. Formado na Universidade Castelo Branco, especializou-se em basquete com a pós-graduação na UFRJ. Como “pai” do projeto, Renato explica que mais do que os resultados em competições, o basquete é um meio para instrução de bons caminhos para os jovens. “O basquete é usado como uma ferramenta de transformação social para essa juventude daqui, meninos, meninas, e independente dos nossos resultados dentro de quadra, ganhar medalha, ganhar troféu, essa parte dessa transformação social que conseguimos atingir na vida desses jovens é o que mais me envaidece, para mim, tem mais importância do que um troféu e uma medalha. Claro que o troféu e uma medalha é uma consequência, ele coroa o trabalho, ele dá mais visibilidade para o trabalho do projeto, mas o que o basquete vem fazendo na vida dessa molecada aqui de Tefé, para mim é o mais importante.”

Tanto que o basquete tem possibilitado experiências novas para os jovens acostumados com uma vida sem os agitos de cidades grandes. Os pequenos atletas puderam conhecer o Teatro Amazonas, um shopping, ir ao cinema pela primeira vez, conhecer pontos turísticos de Manaus. Além de reencontros familiares, já que muitos dos pais ou mães migram para a capital para trabalhar e enviar sustento aos filhos em Tefé e essa incursão dos Jogos Escolares permite essa reiteração por alguns momentos. A Liga Nacional de Basquete colabora com o projeto e custeou a passagem de barco, que permitiu ao time ir à Manaus nas três categorias (juvenil masculino, juvenil feminino e infantil). Essa última categoria é mais nova no esporte, que era um time de garotos altos de handebol, mas o time acabou e Renato abraçou e acolheu como um bom pai que adota mais crias em nome de não deixá-los sem uma perspectiva de vida.

Renato Almeida e as crianças que treinam no Super Basquetebol Social. Foto: Divulgação

Para participar desse projeto, nenhuma criança precisa pagar nada, Renato corre atrás de ajuda para uniformes e equipamentos. A única exigência que Renato faz é que as crianças estejam matriculadas em uma escola, regularmente frequentando às aulas e com boas notas. Aquela mentalidade de pai consciente e preocupado com o futuro de seus filhos. Outro fator que leva em consideração é se as crianças estão tendo bons comportamentos perante seus pais em casa e com os professores e colegas de escola.

Contudo, Renato já precisou enfrentar alguns “nãos” antes de colher os louros das vitórias. Ele conta que começou a participar da competição em 2017, mas ouviu que times do interior não poderiam participar porque eram “anões”, iriam perder de 100 a 0 e estaria fazendo mal aos seus alunos. O treinador não só provou que quem falou essas atrocidades estava errado, como também estimulou outros locais a participarem e acreditarem que é possível almejar coisas grandes. Segundo seu relato, municípios como São Gabriel da Cachoeira, Humaitá, Maués, Iranduba, Nova Olinda, Manacapuru, Presidente Figueiredo participaram. Foram cerca de 12 times só do interior do Amazonas para competir na capital.

Tefé ficou com o terceiro lugar no feminino 3×3 e no 5 contra 5. Além disso, foram campeões pela segunda vez no 5 contra 5 masculino e o time de Autazes, outro município interiorano, foi vice no infantil. “Depois da nossa vitória em 2022, os interiores perceberam que eles também podem. Depois que viram o documentário da Liga, passaram a acreditar e investir”, ressalta Renato.

Aquela conquista permitiu que alguns dos atletas do time de Tefé representassem o Amazonas no Campeonato Brasileiro Intermunicipal, em Aracajú, e lá conhecessem a praia e tomassem banho de mar pela primeira vez. O time amazonense ainda foi vice-campeão da terceira divisão. Uma conquista ainda mais relevante daquele ano, o melhor jogador do time, David, está estudando em uma universidade em Manaus com bolsa para jogar basquete pela instituição. “Esses legados que fazem valer tudo a pena, cada treino, cada pedido de bola a um empresário da cidade ou à Prefeitura. O David está de férias e vem à Tefé para participar do treino e se tornar uma referência para a garotada mais nova”, conta Renato, com orgulho de um pai que vê o filho vencendo na vida. E a irmã de David também já integra o time infantil nos treinamentos.

Times feminino e masculino de Tefé comemorando suas conquistas nos Jogos Escolares de 2024.

Desse time, restou apenas o número 7, Leonardo. Todos os outros campeões de 2022 estouraram a idade máxima de 17 anos e 2023 o time de Tefé passou por um processo de renovação e ganho de experiência com um torneio oficial. Renato conta que não há campeonatos ou possibilidades de amistosos frequentes contra outras equipes. Então, quando há um aniversário de uma cidade ou uma festival, como quando Tefé promove a “Festa da Castanha” (já que a cidade é conhecida pela produção do produto), o time convida ou é convidado por outros locais para realizar um pequeno encontro com outras equipes.

Na semifinal de 2024, o time vencia por um ponto, faltava seis segundos e um de seus atletas, Riquelme, converteu um dos lances livres para ampliar a vantagem. Sustentaram a vantagem, mesmo dando possibilidade de um arremesso de três para os adversários na última bola. Na final, bateram o CDA2, de Manaus, campeões de 2023, por seis pontos de diferença. Isso para quem já precisou treinar em uma quadra sem tabela e contar com doação é daqueles feitos que só mostram quanto um pai dedicado pode fazer com seus filhos. Durante a seletiva para a fase final, encararam lugares com o aro parafusado de ponta cabeça ou que não tinham medida para a bola passar adequadamente. Neste ano, Renato também se despedirá de mais alguns dos garotos que foram campeões, mas as lições de vida e os valores ficarão eternizados como um legado de cidadania.

Essas conquistas têm estimulado não só a prática de basquete, também o futsal e o handebol tem crescido e com resultados, indo à Manaus para competir. Um esporte estimulando outro. E quando o exemplo vem de cima, aí que brilha mais os olhos dos mais novos. Renato conta que a LNB promoveu um jogo do NBB CAIXA entre Flamengo e Vasco, ainda na temporada 2016/17, e que serviu para levar seus pequenos pupilos para assistir um jogo entre profissionais na capital do estado. Foi o tapinha inicial na relação de parceria entre a Liga e o Super Basquetebol Social.

Renato enfrentou quadras sem tabelas, montou time feminino de Tefé e teve a glória da carreata na cidade pelo reconhecimento dos feitos dos times. Foto: Divulgação.

“Antes de 2022, nós tínhamos uma faixa de 40 e poucos alunos no projeto. Depois, com o título, com a ida para o brasileiro, com o documentário gravado, nós fomos para mais de 100 alunos. Essa visibilidade que o documentário deu foi muito legal porque aumentou a procura dos meninos e das meninas. Tanto que eu consegui ter um time feminino e o melhor é que algumas ainda têm mais um ano e outras ainda têm mais dois anos juntas, podendo jogar, podendo competir. E isso aumenta também o número de meninas para praticarem, por mais que elas tenham mil vezes mais trabalho que os meninos. É gratificante. Bom, o basquete é, como sempre eu costumo postar nas minhas mensagens, uma relação de amor, porque a gente não ganha dinheiro fazendo o basquete, ensinando o basquete. Mas ganhamos muitas outras coisas, ganhamos o amor, o reconhecimento, o ver a mudança de vida proporcionada a esses meninos e meninas, nas famílias, em relação ao comportamento, ao estudo, a tirarem sua identidade para participar dos jogos”, refletiu Renato, sobre o que significa hoje o projeto que completa dez anos e segue desbravando e inserindo o basquete em um lugar tão longe da realidade de grandes centros. Essa é a mensagem que ele quis deixar, o amor de um pai ao basquete e a seus pupilos.